quinta-feira, 30 de abril de 2020

ARENGA 606


A notícia de que os donos da empresa Walmart enriquecem ainda mais com a infelicidade das pessoas em função do sufoco causado pela pandemia é um retrato mais que perfeito da desumanidade que caracteriza a cultura capitalista do “venha a mim e os outros que se danem”. A tamanha distorção social foi submetida a política, que de modo tão bárbaro coloca o povo no canto da parede e para onde quer que ele vire não tem como deixar de ser atochado pelo “ferro” capitalista.

Sendo a imprensa o espelho que reflete a alma da sociedade, outra notícia na imprensa que mostra reflexo de uma sociedade inviável é a notícia de que o ministro Paulo Guedes pede aos senadores que salvem a República Brasileira conta a Câmara dos Deputados. Fica a questão de saber quem salvaria o Brasil do Congresso que juntamente com todos os governantes que passaram pelo governo trouxeram o país à calamidade em que se encontra. Trata-se de uma situação que denuncia com todas as letras a inviabilidade da atual política como ciência cujo objetivo deveria ser cuidar do bem-estar social. Tão importante, portanto, a ciência política quanto a ciência médica que cuida do bem-estar individual porque quando a sociedade está mal como está nossa sociedade ninguém pode estar bem. Esta segunda notícia, tanto quanto a primeira, mostra também que o povo não tem como escapar do “levar ferro” que é o triste destino por ele escolhido na encruzilhada do livre arbítrio. Pior de tudo é que a alegria dos festejamentos do axé e do futebola denuncia ter sido uma opção consciente daquilo que tinha certeza de querer, o que revela um gosto muito estranho esse do povo.

Povo é um elemento tão incrivelmente incompreensível que embora composto de espécimes de uma espécie que pode raciocinar comporta-se do mesmo modo daqueles peixinhos que ajuntam seus pequenos corpos para fingir ser um só e imenso corpo a fim de escapar do ataque de predadores, mas que, sendo obrigados a se movimentar, quando sobem são pescados por imensa revoada de pássaros pescadores e quando descem são abocanhados por baleias que chegam a engolir cem quilos deles em cada bocada. Tal qual os peixinhos, também o povo não tem como escapar do “levar ferro” não só de dois, mas de todos os lados. Além de ser atochado pela doença nova e terrível, é atochado também pela sanha dos abutres do Wall Marte, avaros perseguidores de riqueza que sugam o bolso dos infelizes frequentadores de igreja, axé e futebola que nada mais ou muito pouco sobra depois do atochamento pelo pagamento do dízimo.

À conclusão de que o povo escolheu conscientemente o “levar ferro” é a única que sobra ante a também esquisita opção pela indiferença política que o filósofo Bertold Brecht definiu como analfabetismo político, responsável pelos males do mundo. Ao fazer tal opção o povo se nega a tentar outro tipo de sociedade, um tipo que lhe permitisse escapar do atochamento. Realmente, se a política é responsável pela saúde social, jamais poderia ser negligenciada pela indiferença política porque o resultado é a desgraça de assistir horrorizado e impotente a morte desassistida de filhos, pais, irmãos e amigos e a aterradora perspectiva de tê-los  enterrados em vala comum ante a impossibilidade de sepultamento individual dada a grande quantidade de cadáveres. O maior estrago que faz o analfabetismo político é que a omissão em participar da escolha de autoridades deixa espaço aberto para os maus políticos que degradam o ambiente político e afasta dele as pessoas de caráter nobre. Disto resulta tamanha distorção que já não se sabe mais quem é bandido e quem não é porque o que se vê são acusações mútuas tanto de banditismo quanto de disfarçada proteção a bandidos que denuncia conivência com o banditismo.

Entre os muitos hábitos que têm os frequentadores de igreja, axé e futebola de manifestarem sua preferência pelo atochamento é o hábito de esperar que o tempo lhes convença a desistirem de ter esperança nas promessas de velhas múmias políticas. Depois de muito apanhar, passam a acreditar em aventureiros, malandros travestidos de políticos que se lhes apresentam com promessas de inovação e mudança de rumo. Deste proceder insensato acabam vindo a ser atochados pelos novos malandros ainda com mais vigor ainda do que faziam as múmias carcomidas pela degradação política que apesar de tudo o que fizeram, volta e meia aparecem rodeados de senhores de cabelos brancos, papagaios de microfone que por precisarem falar sem parar por força do contrato de trabalho, fazem mil perguntas sobre a solução para os problemas que não querem ver resolvidos.

Querer ficar em paz é um argumento usado pela turba da oração e dos esportes para disfarçar o mau gosto de ser atochado porque ao permitir que os postos de mando sejam ocupados por malandros, resulta na espetacular desorganização social que aí está, na qual é totalmente impossível  vir alguém a ter paz. Inté.

















 

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