sábado, 20 de junho de 2020

ARENGA 616


O papo da papagaiada de microfone sobre transparência e liberdade de informação é algo tão sem nexo quanto a apologia do agrobiuzinesse fabricador de cânceres ou o fato também enigmático de ser religiosa uma pessoa comprovadamente inteligente e de reputação imaculada, uma vez ser a religiosidade um grande embuste que a experiência vem desmascarando graças a pensadores como o que observou que se alguém rezar para chover, choverá do mesmo modo como se não tivesse rezado. Não faz sentido falar em informação se o que existe é desinformação uma vez que a atividade política é exercida de modo contrário ao que devia ser, razão pela qual a realidade precisa ser escondida debaixo de sete chaves, como recomendou Maquiavel. Daí não fazer sentido também falar-se na transparência exigida pela papagaiada de microfone porquanto em tais circunstâncias aquilo de que se faz necessário é a obscuridade para justificar que uma obra pública custe várias vezes o valor real, a prostituição seja atividade meritória, esporte seja mais importante do que qualidade de vida, que a juventude seja vítima de um sistema educacional politicamente alienante, que ricos e igrejas não paguem impostos, que o erário arque com o custo de 86 auxiliares para um senador, ou que os executores da administração pública usem impunimente seus cargos para locupletação e esbanjem o dinheiro público a seu bel-prazer, entre outras tantas coisas que se vê porque o mesmismo da tradição diuturnamente martelado pela papagaiada de microfone é o cachimbo que entorta a mentalidade, impedindo que se perceba ter sido totalmente desviada de sua finalidade a atividade política ao ter por objetivo o bem-estar dos ricos em detrimento da coletividade.
Em A UTOPIA, página 25 da Coleção Obra Prima de Cada Autor, Thomas More nos lega com a simplicidade própria dos sábios o triste papel dessa gente que gravita em torno de governantes. Instado por um amigo a se tornar conselheiro de algum príncipe face não só ao seu grande cabedal de conhecimento, mas também à sabedoria, inteligência e hombridade, confirmando tratar-se realmente de um sábio, a pessoa que assim fora aconselhada pelo amigo respondeu: “Os conselheiros dos reis julgam-se tão sábios que dispensam o auxílio de outrem; outros, ainda, vergonhosamente compartilham e aplaudem a opinião insensata dos seus superiores. Todo o seu esforço se dirige no sentido de obterem as boas graças dos favoritos dos príncipes”.
Como se vê, embora Thomas More se referisse à política de sua terra, a Inglaterra do século XVI, a atividade política deteriora cada vez mais e foi esta deterioração que inspirou Lima Barreto, já no século XX, a imaginar a República de Bruzundanga retratando a inversão de finalidade da política brasileira que não difere da política do mundo inteiro. No capítulo IV consta que o país dos bruzundanguense vive na miséria embora seja rico em todos os minerais, todos os vegetais úteis e todas as condições de riqueza; que a primeira coisa em que pensa um político bruzundanguense depois de guindado ao cargo é supor ser de carne e sangue diferentes do resto da população;  que, ao contrário do que disse Bossuet de ser o fim da política fazer a felicidade dos povos, o fim dos políticos de Bruzundanga é fazer a infelicidade dos povos.
Se a ficção de Barreto gira em torno de uma política que deve ser extinta, a de More gira em torno de uma que deve ser implantada. Na introdução de A Utopia consta que os utopianos sofrem menos do que os outros povos em virtude de se encontrarem os encargos sociais repartidos equitativamente pelos membros do corpo social em vez de ficarem apenas com as classes oprimidas.
Se uma sociedade menos injusta continua ainda no plano da utopia, cabe expurgar o cabisbaixismo da conformação decretado pela religiosidade e pôr em prática o ensinamento do romancista alemão Robert Musil, conforme ainda a introdução de A Utopia, que a utopia pode se tornar realidade se removidas as circunstâncias que obstaculizam sua realização. Sendo a recusa de trocar o velho pelo novo o único obstáculo que impede tornar real a ficção de uma sociedade sem tanto sofrimento, depende da juventude superar a condição de manada que lhe é imposta pela religião e o pão e circo fomentado pela papagaiada de microfone a mando dos ricos donos do mundo, agiotas do sistema financeiro, e mandar para os quintos dos infernos as ideias com ranço de sarcófago que dão origem à situação completamente inusitada de notícias sobre brincadeiras em pé de igualdade com notícias sobre milhares de mortes. Inté.
      

      

      


      


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