O papo da papagaiada de
microfone sobre transparência e liberdade de informação é algo tão sem nexo quanto
a apologia do agrobiuzinesse fabricador de cânceres ou o fato também enigmático
de ser religiosa uma pessoa comprovadamente inteligente e de reputação
imaculada, uma vez ser a religiosidade um grande embuste que a experiência vem
desmascarando graças a pensadores como o que observou que se alguém rezar para
chover, choverá do mesmo modo como se não tivesse rezado. Não faz sentido falar
em informação se o que existe é desinformação uma vez que a atividade política é
exercida de modo contrário ao que devia ser, razão pela qual a realidade
precisa ser escondida debaixo de sete chaves, como recomendou Maquiavel. Daí
não fazer sentido também falar-se na transparência exigida pela papagaiada de
microfone porquanto em tais circunstâncias aquilo de que se faz necessário é a obscuridade
para justificar que uma obra pública custe várias vezes o valor real, a prostituição
seja atividade meritória, esporte seja mais importante do que qualidade de
vida, que a juventude seja vítima de um sistema educacional politicamente
alienante, que ricos e igrejas não paguem impostos, que o erário arque com o
custo de 86 auxiliares para um senador, ou que os executores da administração
pública usem impunimente seus cargos para locupletação e esbanjem o dinheiro
público a seu bel-prazer, entre outras tantas coisas que se vê porque o mesmismo
da tradição diuturnamente martelado pela papagaiada de microfone é o cachimbo
que entorta a mentalidade, impedindo que se perceba ter sido totalmente
desviada de sua finalidade a atividade política ao ter por objetivo o bem-estar
dos ricos em detrimento da coletividade.
Em A UTOPIA, página 25
da Coleção Obra Prima de Cada Autor, Thomas More nos lega com a simplicidade
própria dos sábios o triste papel dessa gente que gravita em torno de
governantes. Instado por um amigo a se tornar conselheiro de algum príncipe
face não só ao seu grande cabedal de conhecimento, mas também à sabedoria,
inteligência e hombridade, confirmando tratar-se realmente de um sábio, a
pessoa que assim fora aconselhada pelo amigo respondeu: “Os conselheiros dos
reis julgam-se tão sábios que dispensam o auxílio de outrem; outros, ainda,
vergonhosamente compartilham e aplaudem a opinião insensata dos seus
superiores. Todo o seu esforço se dirige no sentido de obterem as boas graças
dos favoritos dos príncipes”.
Como se vê, embora
Thomas More se referisse à política de sua terra, a Inglaterra do século XVI, a
atividade política deteriora cada vez mais e foi esta deterioração que inspirou
Lima Barreto, já no século XX, a imaginar a República de Bruzundanga retratando
a inversão de finalidade da política brasileira que não difere da política do
mundo inteiro. No capítulo IV consta que o país dos bruzundanguense vive na
miséria embora seja rico em todos os minerais, todos os vegetais úteis e todas
as condições de riqueza; que a primeira coisa em que pensa um político
bruzundanguense depois de guindado ao cargo é supor ser de carne e sangue
diferentes do resto da população; que,
ao contrário do que disse Bossuet de ser o fim da política fazer a felicidade
dos povos, o fim dos políticos de Bruzundanga é fazer a infelicidade dos povos.
Se a ficção de Barreto
gira em torno de uma política que deve ser extinta, a de More gira em torno de
uma que deve ser implantada. Na introdução de A Utopia consta que os utopianos
sofrem menos do que os outros povos em virtude de se encontrarem os encargos
sociais repartidos equitativamente pelos membros do corpo social em vez de
ficarem apenas com as classes oprimidas.
Se uma sociedade menos
injusta continua ainda no plano da utopia, cabe expurgar o cabisbaixismo da
conformação decretado pela religiosidade e pôr em prática o ensinamento do
romancista alemão Robert Musil, conforme ainda a introdução de A Utopia, que a
utopia pode se tornar realidade se removidas as circunstâncias que obstaculizam
sua realização. Sendo a recusa de trocar o velho pelo novo o único obstáculo
que impede tornar real a ficção de uma sociedade sem tanto sofrimento, depende
da juventude superar a condição de manada que lhe é imposta pela religião e o
pão e circo fomentado pela papagaiada de microfone a mando dos ricos donos do
mundo, agiotas do sistema financeiro, e mandar para os quintos dos infernos as
ideias com ranço de sarcófago que dão origem à situação completamente inusitada
de notícias sobre brincadeiras em pé de igualdade com notícias sobre milhares
de mortes. Inté.
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