quinta-feira, 23 de setembro de 2010

REFLEXÕES

“Vida de gado. Povo marcado, povo feliz” (Zé Ramalho).

Razão tem o poeta. Não há diferença entre o comportamento do povo e o da manada. Ambos caminham por onde determina seu dono. O povo age como se fosse seu próprio inimigo. Não tem interesse nas coisas que podem melhorar sua vida. Ao contrário, vive como se a juventude não acabasse e só quer saber de festas, indiferente ao futuro que a ciência anuncia. Aplaude, como criança, a queima do seu dinheiro em fogos. Dinheiro esse que fará falta na hora de comprar os remédios que a velhice exigirá. Sofre quando o filho se arrebenta num “racha” sem saber que ele foi um dos incentivadores desta tragédia ao aplaudir como herói outro idiota programado para dirigir carros a duzentos e cinqüenta por hora. Nosso povo gosta tanto do primitivismo que vive a imitar como macaco. O jornalista Mauro Santayana disse que nosso povo ainda sente pelo estrangeiro o mesmo deslumbramento que os silvícolas sentiram ao contemplar a chegada dos homens brancos e seus navios vindos do mar. Nosso povo ainda é tão deslumbrado pelo estrangeiro que bicicleta é cafona chique é como dizem os americanos: “bike”. Lugarzinho de papo? Que qui é isso? É “point”. O prédio onde moro se chama “Maison Du Soleil”. O vizinho é “La Lune”. Não há uma só rua sem ostentar orgulhosamente palavras “chiques”. Perguntei certa vez ao dono de uma oficina mecânica o significado do nome da oficina (Brack Car) e ele respondeu que era Carro Preto em “ingreis”.

Esta coisinha aparentemente simples de adotar cultura alienígena contribui em muito para o atraso do desenvolvimento mental que dá origem à nossa situação de eternos colonizados, enquanto o povo se orgulha de ser o Brasil conhecido pelo bom futebol, sem saber que seu país é visto como um lixão onde outro país joga seu lixo e é tão respeitado que seu ministro tirou os sapatos para ser revistado no aeroporto de Nova Iorque como se fosse um malandro qualquer, e nós, brasileiros, somos muito mal vistos no exterior e somos chamados de “cucaracha” (barata) sem que isto diminua o orgulho dos “cucaracha” ao dizer que vai para o exterior.

Se eu, semi-analfabeto até aos quinze anos aprendi a raciocinar, qualquer um também pode. Já é hora de botar a cabeça para pensar sobre nosso comportamento porque ele nos expõe ao ridículo pelas qualidades observadas pelos atores americanos.

Qual a necessidade que há em se retirar milhões de animais do seu ambiente, aprisioná-los e assumir um custo fabuloso para mantê-los em cativeiro só para serem vistos? Encontrar diversão na cena grotesca de espancamento mútuo entre duas pessoas no ringue é de uma mentalidade tão estúpida quanto a daqueles que se divertiam vendo leões devorando os cristãos.

A capacidade de suportar barulho presente no povo demonstra falta de sensibilidade e grosseria decorrentes do modo de vida estúpido de produzir e consumir que não permite o surgimento da sensibilidade. Do mesmo modo, os momentos de lazer são preenchidos com coisas sem qualquer ligação com o desenvolvimento do intelecto. Absorvem as pessoas por informação as baixarias da televisão e por ordem dela adoram nulidades a quem transformam em reis e rainhas e providenciam para que se tornem milionários enquanto elas mesmas, as pessoas que enriquecem as nulidades, vivem no sufoco.

As pessoas devem saber que não nos cabe apenas obrigações. Também temos direitos e é preciso recebê-los. De nada adianta ser proprietário de algo que não se tem. Pode-se ser exigente sem necessidade de violência. O barulho ensurdecedor que está na cidade nesta campanha eleitoral vai prejudicar a audição das pessoas. Mas elas não precisam arrebentar os aparelhos. Basta ir à prefeitura e exigir o cumprimento da Lei do Silêncio. Existe uma lei que proíbe barulho acima do suportável sem dano para a audição. Chama-se Lei do Silêncio. Mas as pessoas preferem ser versadas em assuntos de futebol. Orgulham-se por ser amigo ou saber sobre a vida de algum “figurão” do mundo da bola. É hilariante o ar de orgulho e superioridade assumido por alguém em traje completo de jogador de bola.

É igualmente ridículo quando em um bar qualquer a televisão lá no alto anuncia algo sobre futebol e as pessoas para lá se dirigem apressadas e demonstrando grande interesse no que vai ouvir com a cara para cima.

Se a humanidade não vivesse a destruir o que construira até então, já teríamos alcançado uma civilização pacífica. Os gastos com homens e armas seriam suficientes para extirpar a pobreza do mundo. Alguém pensa nisso? Pensa nada! Neguinho tá mais interessado no resultado do exame de urina do jogador de bola e é por isto que o povo é seu próprio inimigo. O movimento revolucionário de 1964 que tanto atraso e sofrimento trouxe ao país foi apoiado pelo povo.

FREI BETO

A paz não pode ser alcançada através da religião porque nesta prevalecem violência, sofrimento, submissão e conformismo. Por isto é que é difícil entender frei Beto. Dono de admirável caráter e personalidade de estadista, abandonou o governo petista que vestira a camisa dos ricos e, como disse ele mesmo em entrevista à revista Caros Amigos, o governo trocou um projeto de país por um projeto de poder. Entretanto, afirma ser este o melhor governo que o país já teve, enquanto a verdade é que este rico e pobre país nunca teve um governo bom. O que há de bom em um governo cujos governados morrem como moscas de doenças curáveis e de bala perdida enquanto distribui esmolas a título de combater a pobreza e é indiferente à verdadeira causa de sofrimento que é o assalto ao erário? Segundo o livro “O Chefe” o presidente que o frei Beto diz ser bom teria usado o poder que lhe confiamos esperançosos em melhores dias para ingressar no mundo do ricos, confirmando a afirmação do mesmo frei Beto de que o pobre não se interessa em combater a pobreza. O pobre almeja ser também um rico. A ser verdade a acusação, como pode ser bom um governo comandado por bandido? Se são falsas, como pode ser bom um governo onde se calunia impunemente?

Frei Beto afirma na página 123 de A Mosca Azul que seu ideal de sociedade justa decorre de sua fé cristã. Este ideal também é meu, sendo eu ateu. Sou tão dominado por este sonho que escrevo sempre que me surge oportunidade, sem medo do ridículo de não saber escrever. Também afirma ele sentir-se por vezes dominado por um instinto animal oriundo da escala zoológica, o que significa admitir-se a teoria darwinista, enquanto para a religião o homem teria surgido já pronto e acabado por obra de um Deus que nunca aparece e sempre age por intermédio de outrem além de matar crianças e ser tão escravagista a ponto de recomendar cuidado apenas em não arrebentar os dentes e os olhos do escravo ao ser castigado.

A religião é fruto da falta de conhecimento apenas. À medida que recuamos no tempo estaremos também penetrando num mundo de maior desconhecimento e, portanto nesta lógica, de maior força da religião. Chegaremos ao cúmulo da ignorância de queimar pessoas vivas ou atirá-las para serem desossadas e devoradas por feras, em nome de Deus. Ao contrário, aumentando-se o conhecimento diminui a força da religião. Posso dizer sem virar cinzas que nunca houve nenhum Deus e que esta crença é nociva à sociedade porque faz com que as pessoas esperem que Deus faça o que elas mesmas poderiam fazer. É por isto que ao passar por uma igreja de onde vinha o som de cânticos religiosos alguém comentou: “É uma reunião de infiéis”. Realmente, oração não leva a nada. Está aí a situação cada vez pior ao lado do incremento das igrejas e orações. Ao contrário, há povos no mundo onde a religiosidade e menor e o bem-estar coletivo é maior.

Também o cientista Marcelo Gleiser afirma a necessidade de Deus. Aqui não há de que se espantar porque aquele cientista é empregado de ricos e eles precisam que os pobres busquem conforto em outro lugar que não em suas caixas-fortes abarrotadas do verdadeiro poder de desbaratar sofrimentos que é o dinheiro. Este, sim, remove montanhas, como se pode provar.