Para os uns e outros que estabelecem regras para determinar como escrever
corretamente, o que vou dizer provocaria risadas das boas, caso tomassem
conhecimento. Mas o que vou dizer é a mais pura realidade. Veja só se não é:
Considerando que a cegonha me deixou numa fazenda onde outra cegonha tinha
deixado meus pais e uma terceira cegonha tinha deixado os pais dos pais dos
meus pais, e que era um lugar onde a atividade literária não fazia parte da
vida, razão pela qual só comecei a estudar quando já começava a me orgulhar da
penugem que viria a ser um bigode. Resultou de tudo isso que minha capacidade
de entender as coisas era menor do que a já minúscula capacidade demostrada
pela juventude da época. Então, considerando quão pouco eu entendia da vida e o
quanto entendo agora que percebo estar completamente errada a maneira coletiva
de conduzi-la, significa que fiz um trajeto da mais absoluta obscuridade mental
em relação a tudo que não fosse arrebanhar gado, tirar leite, fazer requeijão e
manteiga, deixando tudo isso prá trás, e adquirindo conhecimento das causas
geradoras de toda a infelicidade que atormenta este país de triste sorte que
abriga povo em lugar de gente. Percebi que uma aglomeração de espécimes de povo
forma manada, e que uma aglomeração de espécimes de gente forma sociedade. O
fato de ter eu aprendido coisas que nem uns e outros sabem, me dá a convicção
de merecer me considerar um sábio, nem que seja falado bem baixinho: um sábio.
Era eu tão
inocente que pensava haver necessidade de rezar o Pai Nosso antes de dormir, e
até puxei a corda de bater o sino da igreja de Itapetinga, sem contar ainda ser
analfabeto quando uns e outros já sabiam mais do que tudo o que sei hoje como
sábio. É extraordinariamente gratificante constatar ter adquirido
capacidade de interpretar corretamente coisas que parecem escapar à percepção
até mesmo de uns e outros e da manada de um modo geral. No que diz respeito à
manada, não é de se esperar outro comportamento porque bicho só pode agir como
irracional. Entretanto, escapa à fina flor da intelectualidade a percepção da
necessidade de modernizar a vida.
Levado pela
roda viva da vida de semianalfabeto para um ambiente de estudos em Salvador,
tornei-me amigo e grande admirador de uma garota a quem me apeguei grandemente,
talvez por sentir nela uma sábia que pudesse me transmitir algum conhecimento
que alimentasse minha grande vontade de aprender coisas. Era uma garota
tremendamente esclarecida, de uma simpatia radiante, e me dizia com um olhar
sincero entre censura e piedade que eu era alienado, o que me deixava intrigado
porque para meu parco conhecimento alienado era sinônimo de louco. Com a bela
família dessa garota maravilha que se chamava Rosa, aprendi muito e lamento ter
perdido o contato com seu Ari, Hostinho, Jorginho, Lucinha, Rosa Maria e,
sobretudo, aquela que me chamava de alienado, com a mais absoluta razão. O fato
de sair de uma mentalidade tão tacanha de quem sabia unicamente ser vaqueiro e
cuidar de gado e passar a compreender o quanto está errado esse pessoal que
lota estádios para incentivar lutadores a se esmurrarem, indiferentes ao fato
de resultar muitos malefícios para a velhice dos esmurradores em consequência
da pancadaria na cabeça, é indicativo de ascensão espiritual. Entretanto, a
maior vitória alcançada por minha maturidade mental foi superar a inocente
crença na necessidade de religiosidade para se alcançar a paz. Uma grande
verdade que aprendi é que a paz coletiva depende unicamente da circunstância de
serem os membros da coletividade versados em sociabilidade. Para viver em
sociedade é preciso aprender a fazer isso primeiro. Mas para aprender a viver
em grupo é preciso leitura de bons livros. É por isso que uma sociedade de
ateus seria infinitamente mais civilizada do que a sociedade dos enchedores de
igreja e campos de axé e futebola. E isto se dá exatamente porque não se vira
um ateu sem ter lido os Grandes Mestres do Saber, e quem faz isso aprende como
viver em paz em meio a outras pessoas.
Acontece
que em vez de haver estímulo à leitura dos Grandes Mestres do Saber,
incentiva-se o interesse pelas “celebridades” e “famosos”, levando a manada a
se interessar por livros sobre gente como Pelé, pessoas que não escrevem um
bilhete sem o dobro dos erros que eu cometeria. Pois uma das tramoias
escondidas debaixo do pano é não ensinar cidadania que é para o povo não saber
como viver em sociedade, porque quem sabe viver em sociedade também sabe ser
preciso que o dinheiro público deixe de abastecer as pastas 007 e tenha por
primeiríssima prioridade um sistema de educação que tenha por primeiríssima
prioridade ensinar a verdade no lugar da mentira de não haver necessidade de cooperação
entre os seres humanos como condição indispensável a uma vida civilizada.
Quando o feioso Henry Kissinger sentenciou do alto de sua ignorância social ser
ideal o sistema capitalista por se basear na competição, onde inevitavelmente
existem ganhadores e perdedores, estava dizendo uma coisa errada porque é
exatamente em função da violência intrínseca em qualquer competição que vivemos
em meio a guerras.
Quando a juventude passar a entender de cidadania os jovens saberão escolher
estadistas para seus líderes, e disto resultará num avanço rumo à civilização
capaz de tirar a juventude da letargia mental em que foi colocada e torná-la
capaz de saber nomear corretamente pessoas certas para os postos de
administração pública, porque, como afirmam os Grandes Mestres do Saber, o
estadista se preocupa com as próximas gerações, enquanto o político se preocupa
com as próximas eleições.
Sabendo-se
que a única maneira de se estruturar uma sociedade civilizada é através de um
sistema educacional capaz de transformar alienados em cidadãos, como fazer
isto, se depende do dinheiro público que se encontra nas mãos de bandidos, e
bandidos desprezam educação? Aqui é que está o X da questão de parecerem
insolúveis os motivos pelos quais nossa sociedade é do jeito que estamos vendo.
Servimos para o mundo de exemplo do que não presta. Está aí a homenagem
prestada pelos ignorantes de escola de samba à Republica Equatoriana sobre quem
nossa amigona Wikipédia diz o seguinte:
1 – “Guiné Equatorial é uma fonte e destino para mulheres e crianças
vítimas de trabalho forçado e tráfico de sexo”.
2 – “Uma investigação do Senado dos Estados Unidos de 2004 no Banco Riggs (com sede em Washington, D. C.)
descobriu que a família do presidente Obiang tinha recebido enormes pagamentos
de empresas de petróleo dos Estados Unidos”.
3 – “A Transparency International colocou a Guiné Equatorial no top 12
da sua lista de estados corruptos”.
4 –
“Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorín, de 45 anos, filho do
presidente, acaba de perder para a Justiça americana uma mansão em Malibu
avaliada em US$ 30 milhões. A Justiça da França confiscou 11 carros de luxo,
como um Rolls-Royce Phantom conversível, um Aston Martin Le Mans, entre outros,
além de um relógio Piaget Polo decorado com 498 diamantes, avaliado em 598 mil
euros, e um prédio de 5 mil metros quadrados em Paris, desviados por Obiang, sua família e responsáveis por seu regime”.
Talvez pela semelhança entre lá e cá, é que os iletrados requebradores de
quadris receberam dez milhões de reais para homenagear uma família de monstros
que rouba de um povo tão ignorante quanto os ignorantes da tal escola de samba
que afirmam não ver motivo para o alvoroço uma vez que o dinheiro não foi
roubado. Como não foi roubado? É a mesma mentalidade imbecil do taxista que
acredita não ter nada a ver que os políticos roubem, uma vez que não roubam
nada dele. O ex-pau-de-arara e hoje multimilionário capaz de fazer festa de
centenas de milhares para aniversário do neto de três anos, personagem do livro
O Chefe, é o maior exemplo de canalização do dinheiro público para o bolso de
ladrões.
Pode
escrever e sacramentar: quando através do poder do dinheiro os jovens alienados
forem transformados em cidadãos, com a mais absoluta das certezas a paz reinará
no lugar desta merda de brutalidade onde criancinhas de dois meses são
assassinadas a tiros de revólver. A maneira de fazer com que se use
corretamente a dinheirama dos impostos, que poderão ser ainda maiores se forem
também cobrados dos ricos e das igrejas, é querer saber das autoridades o que é
feito desse dinheiro, mesmo porque perguntar não ofende, principalmente por se
perguntar sobre algo que pertence a quem faz a pergunta. Pois eu aprendi isso
também. Enquanto todo mundo, menos nós o gatos pingados, vão buscar a paz nas
igrejas, nós não fazemos isso porque sabemos ser a mesma coisa que procurar
chifres na cabeça de cavalo. É absolutamente impossível atender a exigência de
um sistema educacional eficiente enquanto o erário for objeto de ratazana como
mostram os livros Honoráveis Bandidos, Privataria Tucana e O Chefe.
É por tudo
isso que me ufano por ter aprendido com os Grandes Mestres do Saber a realidade
da vida, o que é mais importante do que escrever bonito. Não se ligar em
corrigir uma situação em que apenas algumas pessoas desfrutam da riqueza do
mundo é saber menos do que eu dos perigos decorrentes de tal situação para os
descendentes.
Não pode
haver loucura maior do que queimar em festas, foguetórios e roubalheiras o
dinheiro resultante do trabalho que se faz enquanto se aguenta trabalhar e que
deveria servir para amparar na velhice quando então se vira alvo das doenças e
do cansaço. Isto, sim, é loucura. Não participar dos assuntos públicos permite
que ministros pagos pelo povo idiota para defender seus interesses passem a
receber por fora para defender os ladrões desse povo idiota.
Por fim,
para encerrar esta prosa, aprendi que ajuntar dinheiro pode ser uma faca de
dois lados. Já vi velhos que passaram a vida ajuntando dinheiro, e que criaram
os filhos na mesma linha, serem interditados por esses filhos e morrerem de
desgosto. Certa vez, um amigo meu de pai multimilionário me perguntou se eu
sabia que eles tinham interditado o pai. Era inteiramente necessário, segundo
ele, porque o velho dava dinheiro a garotinhas para pegar nos peitos delas.
Comentei que eu também faria isso se tivesse tanto dinheiro como o pai dele.
Inté.