No prefácio
do segundo volume do livro Histórias
da Gente Brasileira, da editora Leia Editora Ltda., sua autora Mary Del Priore chama
a atenção para a realidade de que ao se maravilhar ao contemplar o mar, o que
se vê dele é uma insignificância em relação à imensa grandiosidade que existe
escondida sob a superfície, num fervilhar de vida e movimentos marinhos que o
contemplador nem faz ideia da imensidão e da beleza escondidas. O mesmo
acontece com a história dos seres humanos, complementa a autora. Em nossa
modesta condição de observador da vida, percebemos acontecer fenômeno idêntico não
só com a história, mas também com a vida dos seres humanos, embora talvez se
possa considerar sinônimo de vida a história. Os ainda bichos humanos não sabem
e não querem aprender nada sobre a vida por eles vivida. Percebe-se esta
realidade no fato de ainda permitirem que representantes de Deus, na verdade
nada mais que falsários, lhes digam o que é a vida e como vivê-la. É nesta
recusa de se desenvolver mentalmente onde se encontra a razão de se viver tão
mal. Cada ser humano é responsável por sua vida individual, e o conjunto deles
é responsável pela péssima qualidade de vida coletiva onde ainda há espaço para
a existência de inimigos e guerras. Nada de espiritualmente evoluído pode ser
encontrado entre seres mentalmente tão medíocres que encontram injustificada para
ter esperança em alguma coisa de bom pelo fato do Papa beijar o pé de um
infeliz sofredor. Tão fúteis são os seres humanos que as brincadeiras e o ambiente alegre do mundo
das crianças continua vida afora no mundo dos adultos enquanto houver
vitalidade neles, sem se atinar para o fato de ter fim a vida, realidade sobre
a qual Schopenhauer discorre com eficiência da seguinte maneira no livro Da Morte,
Metafísica do Amor, Do Sofrimento do Mundo, editora Martin Claret, página 30: “Pouco a pouco, com a velhice,
extinguem-se as paixões e os desejos, ao mesmo tempo que a capacidade de sofrer
a ação dos objetos embota; os efeitos não encontram mais nenhum estímulo,
porque a força de representação vai se debilitando cada vez mais, suas imagens
vão ficando cada vez mais descoradas, as impressões não aderem mais em nós,
passando sem deixar traços, os dias precipitam o seu curso, os eventos perdem
sua importância e tudo se reveste de um matiz pálido. O ancião carrega o peso
dos anos, andando de cá prá lá, com seus passos vacilantes, ou repousa num
canto, uma sombra, um fantasma do que era antes. Que resta ainda nele para ser
destruído pela morte?”.
Assuntos assim não fazem parte da vida medíocre
de povo porque os assuntos em que se envolvem estes seres medíocre com seus
filhos escanchados no pescoço rumo às igrejas e ao futebola são sobre bolsa de
valores, cotação de moedas, mercado e futilidades, coisas inteiramente
insignificantes depois de se chegar à fase a que se refere o filósofo de
fantasma do que era antes. Absolutamente ninguém se imagina na condição de fantasma
do que era antes, embora seja o destino de quem não morre cedo, realidade
também desacreditada pelos biltres humanos que de tão pouca capacidade de raciocinar
se deixam levar pelo engodo de que a Coca-Cola novíssima é beleza pura para
suas crianças. O mais interessante de tudo é o comportamento de fazer de conta
que as consequências da perda de vitalidade pelo decorrer do tempo ou
acidentalmente só mereçam atenção quando se apresentarem. Entretanto, quem é
capaz de raciocinar, observa como observou Mauricio de Souza, o criador da
Turma da Mônica, fazer falta uma educação sobre a velhice.
Sofre-se silenciosamente por falta de dinheiro
para proporcionar os serviços públicos de que o povo necessita, sem,
entretanto, despertar nele, no povo, a necessidade de averiguar se os recursos
fornecidos ao governo são realmente menores do que os necessários, uma vez que
as mordomias da vida faustosa em que vivem seus agentes contrasta frontalmente
com falta de dinheiro. A imprensa noticiou que no palácio da justiça há
funcionários cuja função é puxar a cadeira em que o ministro vai se sentar. Tá
certo um negócio desse tipo? Autoridade que concorda com tamanhao absurdo não
está interessado no sucesso da administração pública da instituição que integra.
Mas povo é um desencanto absoluto. Para as empresas públicas, aquelas mantidas
com o dinheiro do povo, não se exige a mesma seriedade, competência e
habilidade de seus administradores que exigem as empresas privadas sem que o
povo se manifeste contra tal absurdo. Deste critério resulta que toda empresa
pública é deficitária, e não podia ser de outro modo porque seus dirigentes são
colocados para terem como primeira obrigação servir aos interesses políticos do
chefe que lhes empregou. Mas ao povo nada disso interessa. Por que será? Não é
próprio de ninguém não se interessar pelo seu patrimônio. A explicação é o
analfabetismo político que faz da coisa pública coisa de ninguém. O bicho povo
demonstra esta realidade quando afirma que serviço público é de graça, que não
tem custo.
O unico responsável pelo sofrimento do povo é o próprio
povo em sua recusa de se desenvolver mentalmente. Imbecis em busca de
contribuição para a campanha do agasalho é simplesmente revoltante. Como se
pode ser tão estúpico a ponto de não perceber que esmola só beneficia a
canalhice dos canalhas da política? É com esta finalidade que a irmã siamesa da
política, a religião, prega a caridade. A distância que separa o povo da
realidade pode ser constatada de todas as formas. No caderno Painel do Leitor,
do jornal Folha de São Paulo, em matéria intitulada À CUSTA DO POVO,
MANTEMOS A MORDOMIA DOS PODEROSOS, DIZ LEITOR, e cujo assunto versa sobre o
aumento de verba para o ministério público, os comentários dos leitores,
portanto, representantes da alma do povo, não passam de repetição enfadonha de
queixas e lamentações, sem, entretanto ponderar sobre a realidade de que povo
tem o destino do burro de carroça e que uma vez podendo pensar, seu
comportamento deve em vez de se lamentar, deve ser o de buscar as causas de
seus lamentos.
Se é a falta
de dinheiro a causa das lamentações do povo, o que deve ele fazer em vez de se
lamentar é procurar constatar se realmente o dinheiro dos impostos não é
suficiente para não lhe faltar as coisas de que precisa, e não ficar a
choramingar suas desgraças, comportamento incompatível com o festejamento que
acompanha os lamentos. As pessoas sensatas não merecem um ambiente tão
desgraçado como este em que vivemos, cujas notícias giram todas em torno de
esporte, festas e crimes. Nesse ambiente barulhento e ignorante, porque a
ignorância ainda faz parte da personalidade dos humanos, também vivem pessoas
procurando superar sua ignorância atávica através de boas leituras, não sendo
justo que os bárbaros impeçam que estas pessoas alcancem seu objetivo de deixar
de ser povo para ser gente. A vida para o povo não difere da vida para o burro
de carroça cuja felicidade começa à tardinha quando lhe são tirados do lombo os
arreios para que possa pastar e descansar e termina pela manhã quando lhe são
novamente colocado os arreios no lombo para trabalhar. Nova maneira de viver
precisa ser engendrada porque se tem vivido vida de irracional, desperdiçando,
desta forma, o fabuloso presente da natureza: A CAPACIDADE DE PENSAR.
Inté.