Na página 93 do segundo
volume de Histórias da Gente Brasileira, da professora Mary Del Priore, livro
de leitura agradável, o que infelizmente não é comum porque são raros os livros
de intelectuais que não navegam por mares inalcançáveis por leigos em intelectualidade, consta que em
1869, o comerciante Joaquim F. Moutinho referindo-se ao estado de abandono em que se encontrava a província do Mato Grosso, o fez
nos seguintes termos: “Mato Grosso é uma das províncias do Brasil que mais
ricamente foram dotadas pela natureza; está, porém, situada tão longe, e tão
pouco aquinhoada pelo governo na distribuição de seus favores, que tudo ali é
difícil, e tudo existe em estado embrionário”.
Duas coisas nesse
pronunciamento clamam por atenção: primeiro, a pusilanimidade da população
desse país em permitir ter sido em vão desbaratada tanta riqueza natural. Segundo,
a referência à atividade do governo como distribuição de favores. Esta tem sido
a forma de tratar o governo em todo o mundo. Esperando que seu bem-estar
aconteça por ação de deus ou do governo, a humanidade se posta servil e
inutilmente perante estas duas entidades que se tivessem interesse nisso ela
não estaria em tão maus lenções como está se produziu riqueza suficiente para
viver bem.
Falta à humanidade a
percepção de ser ela mesma a maior de todas as autoridades porque além de ter
criado deus e os governos, mantém de tripa forra as autoridades de ambos.
É, pois, tão
injustificável quanto inaceitável a subserviência com que o povo tem se
comportado perante estas duas autoridades, principalmente as governamentais
porque destas não tem como se livrar. O fato de as autoridades governamentais
atribuírem a si mesmas o título de excelências prova não disporem de nobreza
espiritual suficiente para merecerem um respeito tão exorbitante que o
governante já foi considerado entidade divina, enquanto que não merecem mais do
que o respeito que merece qualquer empregado. Nada mais que isto.
Apesar de ter o “é
preciso”, se tornado um chavão tão enjoativo quanto o “eu acho que”, não dá prá
evitar dizer ser preciso que o povo desperte desse torpor injustificável e
assuma a posição que lhe cabe de senhor de todos os senhores visto ser quem arca
dom todas as despesas do mundo, inclusive a de quem se arvora a ser seu senhor.
O dicionário define
favor como benevolência, cortesia, serviço gratuito. Se o serviço feito pelos governantes
custa uma fábula de dinheiro ao povo, vez que exorbitaram tanto em privilégios
que o padrão de vida deles supera o de qualquer empregado por mais bem
remunerado que seja, chegando-se ao absurdo de estabelecerem o próprio ganho
além de proporcionarem a si mesmos direito a alimentação refinada, férias de
dois meses, planos de saúde, carros luxuosos com motoristas e combustível, e,
absurdo dos absurdos, aproveitarem do cargo para enriquecer. Onde já se viu
empregado com tais privilégios?
O que teria levado a humanidade
a se encontrar agrilhoada à obrigação de servir a senhores se ela é que é o
verdadeiro senhor? A monumental estupidez que a faz aperfeiçoar os métodos de
matar é a única explicação para o fato. Aviões não precisam mais de piloto para
lançar bombas e o comportamento dos seres humanos é o de inimigos figadais um
do outro. Como falar em civilização em tamanhos brutamontes? Não seria bom
pensar sobre isto?