segunda-feira, 28 de setembro de 2020

ARENGA 446

 

Na página 93 do segundo volume de Histórias da Gente Brasileira, da professora Mary Del Priore, livro de leitura agradável, o que infelizmente não é comum porque são raros os livros de intelectuais que não navegam por mares inalcançáveis  por leigos em intelectualidade, consta que em 1869, o comerciante Joaquim F. Moutinho referindo-se  ao estado de abandono em que se  encontrava a província do Mato Grosso, o fez nos seguintes termos: “Mato Grosso é uma das províncias do Brasil que mais ricamente foram dotadas pela natureza; está, porém, situada tão longe, e tão pouco aquinhoada pelo governo na distribuição de seus favores, que tudo ali é difícil, e tudo existe em estado embrionário”.

Duas coisas nesse pronunciamento clamam por atenção: primeiro, a pusilanimidade da população desse país em permitir ter sido em vão desbaratada tanta riqueza natural. Segundo, a referência à atividade do governo como distribuição de favores. Esta tem sido a forma de tratar o governo em todo o mundo. Esperando que seu bem-estar aconteça por ação de deus ou do governo, a humanidade se posta servil e inutilmente perante estas duas entidades que se tivessem interesse nisso ela não estaria em tão maus lenções como está se produziu riqueza suficiente para viver bem.

Falta à humanidade a percepção de ser ela mesma a maior de todas as autoridades porque além de ter criado deus e os governos, mantém de tripa forra as autoridades de ambos.

É, pois, tão injustificável quanto inaceitável a subserviência com que o povo tem se comportado perante estas duas autoridades, principalmente as governamentais porque destas não tem como se livrar. O fato de as autoridades governamentais atribuírem a si mesmas o título de excelências prova não disporem de nobreza espiritual suficiente para merecerem um respeito tão exorbitante que o governante já foi considerado entidade divina, enquanto que não merecem mais do que o respeito que merece qualquer empregado. Nada mais que isto.

Apesar de ter o “é preciso”, se tornado um chavão tão enjoativo quanto o “eu acho que”, não dá prá evitar dizer ser preciso que o povo desperte desse torpor injustificável e assuma a posição que lhe cabe de senhor de todos os senhores visto ser quem arca dom todas as despesas do mundo, inclusive a de quem se arvora a ser seu senhor.

O dicionário define favor como benevolência, cortesia, serviço gratuito. Se o serviço feito pelos governantes custa uma fábula de dinheiro ao povo, vez que exorbitaram tanto em privilégios que o padrão de vida deles supera o de qualquer empregado por mais bem remunerado que seja, chegando-se ao absurdo de estabelecerem o próprio ganho além de proporcionarem a si mesmos direito a alimentação refinada, férias de dois meses, planos de saúde, carros luxuosos com motoristas e combustível, e, absurdo dos absurdos, aproveitarem do cargo para enriquecer. Onde já se viu empregado com tais privilégios?

O que teria levado a humanidade a se encontrar agrilhoada à obrigação de servir a senhores se ela é que é o verdadeiro senhor? A monumental estupidez que a faz aperfeiçoar os métodos de matar é a única explicação para o fato. Aviões não precisam mais de piloto para lançar bombas e o comportamento dos seres humanos é o de inimigos figadais um do outro. Como falar em civilização em tamanhos brutamontes? Não seria bom pensar sobre isto? 

 

 

 

 

 

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