Um amigo
tão velho quanto eu me explicou haver na velhice uns momentos espiritualmente
desagradáveis, que só ocorrem na velhice porque enquanto se é jovem não se
pensa. Apenas o velho pensa. E é mesmo obrigado a pensar porque não tendo
projeto algum que lhe ocupe a mente, fica ela a produzir pensamentos lá do
tempo do “já fui bom nisso”. O pensamento independe da vontade e parece que o
safado vai buscar para trazer à lembrança as coisas que a experiência da vida
torna desagradáveis. Pois é desse tipo de lembrança que o pensamento mais
gosta, deixando por lá as lembranças dos melhores momentos. É verdade que vez
em quando o pensamento nos presenteia com alguma façanha indescritivelmente
agradável. O pensamento também pode proporcionar emoções maravilhosas
provenientes de ações irreais, pensadas apenas, mas nem por isso menos
agradáveis, havendo até motivo para serem mais agradáveis ainda uma vez que
isentas de efeitos colaterais.
Também me
explicou o velho amigo que uma das coisas que o fez não ligar para esse negócio
de proteção divina é o fato de não ter ela evitado que na ignorância da
juventude ele achasse bonito fazer pose ao tirar do bolso o isqueiro zippo que
fazia um tinido ao abrir, e acender o cigarro, o que realmente impressionava as
garotas daquela época, razão pela qual fazíamos não só nós os rapazes papel de
bobos ao ingerir veneno, mas também as garotas que nos estimulavam achando
aquilo muito bacana. Além do cigarro, como não foi cem por cento merecedor dos
presentes de Papai Noel, também experimentou e gostou da bebida alcoólica, e
talvez por consequência do hábito de beber e fumar na juventude, embora nunca
demasiadamente, e sempre com períodos de intervalo a partir do momento em que
adquiriu discernimento bastante para perceber a necessidade de cuidar da saúde.
Passava tempos sem fumar ou beber. Mas como o vício vem prá ficar, enquanto
ainda havia algum resto da inexperiência da juventude, era ainda fraco demais
para ser superior ao vício e sempre voltava a fumar e beber até que chegou um
momento em que viu a situação de debilidade em que estavam os amigos que
fumavam e bebiam. O medo de cair naquela situação de não poder respirar o fez
deixar de fumar, embora continuasse a beber. Eis que teve de deixar também a
bebida porque o mal-estar resultante era insuportável. E agora? – dizia o meu
amigo abrindo os braços – E agora, Zé, que fazer se não tenho temperamento para
encarar a vida assim de cara limpa? – A resposta ele mesmo deu com um riso de
satisfação: U m dia, Zé, – continuou – tive a idéia divina de experimentar maconha
e foi sucesso absoluto. Agradeço imensamente àquela idéia por me dar melhores
momentos de paz do que a bebida, sem qualquer preço a ser cobrado pela natureza
no dia seguinte.
E não ficou
por aí a prosa. Me disse também ter ouvido do dono do bar que frequentava há
quarenta anos a notícia de que os fregueses antigos que fumavam cigarro comum
morreram ou estão com graves problemas de pulmão, enquanto os que fumavam
maconha estão todos ainda pelaí, e que até ainda aparecem por lá e tomam uma ou
duas.
Agora, Zé, me
dá pena, – Continuou meu amigo velho e velho amigo – ver tanta confusão em
torno da maconha, um santo remédio para afastar a insistente tristeza dos
velhos, principalmente de velho que pensa. Fico abismado com estas pobres
criaturas inocentes que em razão de desconhecer a verdadeira causa que leva
seus filhos a consumir droga, atribuem às drogas a culpa pelo seu infortúnio,
comportamento semelhante ao dos religiosos da Idade Média que por
desconhecimento da realidade matavam as bruxas por acreditar serem elas as
responsáveis pela terrível peste negra. A culpa do filho cair nas garras das
drogas é da sociedade que eliminou a convivência entre pais e filhos na fase em
que os filhos mais precisam de uma orientação interessada em sua futura
estabilidade emocional, preocupação impossível de ser assumida pelos
professores e babás, preocupados que estão com a própria manutenção, tarefa infinitamente
mais árdua para eles do que para uns e outros pelaí. Ou será que alguém não
sabe disso? E se sabe, o que está fazendo que não ensina aos que ainda não
sabem que desse jeito vamos dar no atoleiro com os burros carregados de ouro?
Né, não? Inté.