domingo, 31 de agosto de 2014

ARENGA CINQUENTA


Um amigo tão velho quanto eu me explicou haver na velhice uns momentos espiritualmente desagradáveis, que só ocorrem na velhice porque enquanto se é jovem não se pensa. Apenas o velho pensa. E é mesmo obrigado a pensar porque não tendo projeto algum que lhe ocupe a mente, fica ela a produzir pensamentos lá do tempo do “já fui bom nisso”. O pensamento independe da vontade e parece que o safado vai buscar para trazer à lembrança as coisas que a experiência da vida torna desagradáveis. Pois é desse tipo de lembrança que o pensamento mais gosta, deixando por lá as lembranças dos melhores momentos. É verdade que vez em quando o pensamento nos presenteia com alguma façanha indescritivelmente agradável. O pensamento também pode proporcionar emoções maravilhosas provenientes de ações irreais, pensadas apenas, mas nem por isso menos agradáveis, havendo até motivo para serem mais agradáveis ainda uma vez que isentas de efeitos colaterais.

Também me explicou o velho amigo que uma das coisas que o fez não ligar para esse negócio de proteção divina é o fato de não ter ela evitado que na ignorância da juventude ele achasse bonito fazer pose ao tirar do bolso o isqueiro zippo que fazia um tinido ao abrir, e acender o cigarro, o que realmente impressionava as garotas daquela época, razão pela qual fazíamos não só nós os rapazes papel de bobos ao ingerir veneno, mas também as garotas que nos estimulavam achando aquilo muito bacana. Além do cigarro, como não foi cem por cento merecedor dos presentes de Papai Noel, também experimentou e gostou da bebida alcoólica, e talvez por consequência do hábito de beber e fumar na juventude, embora nunca demasiadamente, e sempre com períodos de intervalo a partir do momento em que adquiriu discernimento bastante para perceber a necessidade de cuidar da saúde. Passava tempos sem fumar ou beber. Mas como o vício vem prá ficar, enquanto ainda havia algum resto da inexperiência da juventude, era ainda fraco demais para ser superior ao vício e sempre voltava a fumar e beber até que chegou um momento em que viu a situação de debilidade em que estavam os amigos que fumavam e bebiam. O medo de cair naquela situação de não poder respirar o fez deixar de fumar, embora continuasse a beber. Eis que teve de deixar também a bebida porque o mal-estar resultante era insuportável. E agora? – dizia o meu amigo abrindo os braços – E agora, Zé, que fazer se não tenho temperamento para encarar a vida assim de cara limpa? – A resposta ele mesmo deu com um riso de satisfação: U m dia, Zé, – continuou – tive a idéia divina de experimentar maconha e foi sucesso absoluto. Agradeço imensamente àquela idéia por me dar melhores momentos de paz do que a bebida, sem qualquer preço a ser cobrado pela natureza no dia seguinte.

E não ficou por aí a prosa. Me disse também ter ouvido do dono do bar que frequentava há quarenta anos a notícia de que os fregueses antigos que fumavam cigarro comum morreram ou estão com graves problemas de pulmão, enquanto os que fumavam maconha estão todos ainda pelaí, e que até ainda aparecem por lá e tomam uma ou duas.

Agora, Zé, me dá pena, – Continuou meu amigo velho e velho amigo – ver tanta confusão em torno da maconha, um santo remédio para afastar a insistente tristeza dos velhos, principalmente de velho que pensa. Fico abismado com estas pobres criaturas inocentes que em razão de desconhecer a verdadeira causa que leva seus filhos a consumir droga, atribuem às drogas a culpa pelo seu infortúnio, comportamento semelhante ao dos religiosos da Idade Média que por desconhecimento da realidade matavam as bruxas por acreditar serem elas as responsáveis pela terrível peste negra. A culpa do filho cair nas garras das drogas é da sociedade que eliminou a convivência entre pais e filhos na fase em que os filhos mais precisam de uma orientação interessada em sua futura estabilidade emocional, preocupação impossível de ser assumida pelos professores e babás, preocupados que estão com a própria manutenção, tarefa infinitamente mais árdua para eles do que para uns e outros pelaí. Ou será que alguém não sabe disso? E se sabe, o que está fazendo que não ensina aos que ainda não sabem que desse jeito vamos dar no atoleiro com os burros carregados de ouro? Né, não? Inté.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário