sexta-feira, 23 de março de 2012

PESSOAS INOCENTES

É crime conceder habite-se a prédio inacabado, e é crime fazer barulho. Entretanto, aqui em Conquista, por falta de observação e inteligência, aluguei e passei a morar num apartamento cujo prédio inacabado já tinha habite-se. Era um inferno total. Pancadaria e barulho de máquinas que pareciam estar logo ao lado. E tudo porque a administração municipal deixa de cumprir determinação legal. Encontrei na internete a Lei n. 1172/96 que proíbe no artigo 14 a concessão de habite-se a prédio inconcluso. Embora se refira a lei ao Distrito Federal, a norma tem que ser geral porque o sofrimento de conviver em meio a pancadaria é martirizante em qualquer lugar.
As pessoas que se sentem mal com o barulho tem direito assegurado em lei ao silêncio. Uma consulta ao artigo 1.277 do Código Civil e o artigo 42, item IV, da Lei das Contravenções Penais nos deixa certos disso. E tem razão de ser. A Organização Mundial da Saúde adverte que a poluição sonora não só danifica a audição, mas também e principalmente o sistema nervoso. Sabendo-se o estado de nervosismo que acomete as pessoas atualmente, há coerência em se ligar o aumento do barulho proveniente do chamado progresso ao aumento da violência que já produz duelos por assuntos triviais do trânsito infernal por culpa do atual modo de vida que a todos obriga a ter carro.
Os brasileiros se portam como crianças. Adoram brincadeiras. Festas, então, nem se fala. Aplaude o esbanjamento do seu dinheiro em festa da corrupção do futebola, do axé, e do papôco dos foguetes coloridos, ao tempo em que chora nos corredores dos hospitais.
A inocência é tão grande que no prédio onde moro foi afixado no elevador um aviso aos moradores recomendando a título de boa convivência que se observasse o silêncio durante o período em que os operários não estivessem martelando a cabeça das pessoas. Advertia que precisamos de silêncio a partir das 22 até as 7 horas. A partir das 7, quando recomeçam os trabalhos de construção, na inocência das pessoas que acreditam conviver com o barulho sem pagar um preço, não se fazia mais necessário o silêncio que a lei nos garante durante as vinte e quatro horas do dia. A lei nos protege até contra o latir de cachorro. O barulho age como o veneno dos alimentos que aos poucos resulta no câncer ou outros tipos de moléstias que acabam com os idosos que os consumiram por mais tempo. Não perdem por esperar os que ainda não absorveram veneno bastante para fazer andar arrastando os pés (quando pode andar) ou tremendo como se estivesse com frio. Desse modo, também o barulho vai minando o sistema nervoso até deixá-lo à flor da pele e levar a pessoa a gesto do qual lhe resultará também grande mal.
Certa vez um deputado aparentemente bem intencionado apresentou projeto para incluir o barulho entre os crimes de ação pública. Isto significaria mais facilidade para o seu combate. Entretanto, como prova de que a religião prejudica a sociedade, a bancada dos deputados que a igreja evangélica elege com o dinheiro das pessoas inocentes impediu alegando cercear o direito ao culto. O culto a que eles se referiam era o local barulhento aonde as pessoas vão levar dinheiro. Por que Deus que criou o universo iria precisar de deputados? Qual é o papel deles no relacionamento da sociedade com Deus? Paz, isso podemos ver que não é porque a festa que cultua sua crença, juntamente com a pancadaria de construção e os carros com alto-falantes tornam um inferno a vida de quem precisa se concentrar num trabalho ou leitura.
A inocência das pessoas não as deixa enxergar o que está fora do alcance da mão. Nada a não ser brincadeira lhes chama atenção. A correria que empreendem em busca de mais e mais dinheiro não teria razão de ser se elas recebessem da administração pública aquilo a que tem direito. Se o recebessem, só teriam que gastar do que recebem apenas a parte de pagar imposto. Todo o restante seria economizado porque não haveria necessidade de pagar plano de saúde, médico, dentista, cerca elétrica, grades de ferro e vigilância. Só teria mesmo de gastar com a comida.
São tão tolas as pessoas inocentes que a administração pública lhes passa mel na boca. Uma propaganda apresenta como mérito do governo o fato de emprestar dinheiro para que o estudante pobre possa estudar. Isto é falso, só admissível num ambiente de tolos. Este procedimento é duas vezes danoso à sociedade. O dinheiro de pagar o estudo já foi entregue à administração pública através dos impostos. Se tiveram outra finalidade, a sociedade ficou prejudicada. Não se pode pagar duas vezes a mesma dívida. Além disso, há outro absurdo nesta notícia que é o fato de levar o jovem a começar sua vida profissional já embaraçado com uma dívida que é ilegal, exato no momento de constituir família.
As pessoas inocentes ouvem coisas desse tipo e acreditam tanto que levam em boa conta uma administração pública que tira recursos de quem trabalha para sustentar quem não trabalha. Na maioria das vezes involuntariamente.
A indiferença das pessoas inocentes quanto aos destinos de sua sociedade faz com que elas não percebam que propaganda não corresponde à realidade. O presidente da república quando estava sadio pavoneou que tinha levado o sistema de saúde pública a tal perfeição que até dava vontade de adoecer para se tratar nele. Pois aconteceu de ficar muito doente. Entretanto, não aproveitou a oportunidade de satisfazer a vontade e se mandou para hospital particular e só para ricos. Curioso é que ele era um pobre coitado. Como ficou rico?
As pessoas inocentes não percebem nada além de brincadeiras e correria atrás de mais dinheiro. Ouvem com naturalidade até propaganda da Souza Cruz. O que pode haver de positivo numa fábrica de cânceres que infelicitam famílias?
É isso aí, pessoas inocentes, vocês precisam crescer e tomar jeito de gente.