sábado, 23 de janeiro de 2021

ARENGA 476

 

             Desde os pré-socráticos, passando por Cristo e incontáveis pensadores, sempre se falou e ainda se fala sobre procedimentos corretos e incorretos.  Os procedimentos corretos sempre estiveram para os procedimentos incorretos assim como a seleção brasileira estava para a seleção alemã na Copa do Mundo de 2014 ou assim como a mente de Jeca Tatu estava para filosofia como estava a mente de Nietzsche ou para a física como a de Einstein. A humanidade prima pela incorreção.

Saber o motivo pelo qual o ser humano se comporta incorretamente em pelo menos noventa e nove por cento dos seus procedimentos, tendo em vista que isto só lhe causa malefícios, é uma questão mais importante do que saber como ser bem sucedido na atividade de ganhar dinheiro ou puxar o saco de deus. Como a intelectualidade se limitam a tecer comentários sobre o que acreditam ser o certo e o errado, sem qualquer preocupação quanto ao porquê da questão de estar tudo errado, faz-se necessário que um Zemané se preocupe com o motivo pelo qual se erra tanto. Sem saber o que é que faz proceder incorretamente é difícil ou impossível acertar o passo e proceder corretamente.

Partamos, pois, do comecinho deste problema que, na verdade, é de clareza ofuscante. Antes de qualquer outra coisa é preciso ter em mente a conclusão de mestre Platão de que o rumo em que a educação inicia um homem determinará seu destino na vida. Trata-se de uma realidade que não admite qualquer rejeição se a ninguém é mais permitido desconhecer ser a personalidade o resultado do que se aprendeu em criança.

A esta realidade, ajuntamos esta outra, a de que desde sempre os grupos humanos foram constituídos de explorados e exploradores. Se no Feudalismo senhores feudais exploravam servos, no modernismo senhores de escravos exploravam negros, e na contemporaneidade patrões exploram empregados.

Constatada esta segunda realidade, juntemo-la a esta terceira e inegável realidade de não ser possível explorar alguém sem que tenha esse alguém sido induzido a erro porque de sã consciência ninguém faria papel de burro-de-carroça. Portanto, se não se é explorado conscientemente, mas se é explorado, é por sê-lo inconscientemente. E não senão exploração o motivo pelo qual as pessoas são indiferentes ao fato de produzir a riqueza do mundo e terem de viver com uma porcaria de salário tão escasso que se chama mínimo.

Dito isto, a esta terceira realidade ajuntemos uma quarta realidade, aquela de que quando o acesso à energética proteína animal dependia da caça, usavam-se de artimanhas, como fazem as feras, para abater a presa, donde se conclui que a exploração fazia parte do jogo da vida desde os primórdios da existência.

Das realidades expostas conclui-se que apesar de ter a domesticação dos animais tornado desnecessária a exploração, quando se dispensou a necessidade da caça a boca já tinha sido entortada pelo hábito de explorar e ele não só permaneceu, mas também foi incentivado pelo medo de possível escassez, o que incrementou a exploração em virtude do erro de procurar se resguardar ajuntando riqueza.

E assim chegamos ao porquê de agirem errado os seres humanos. É que ainda não tendo ainda se elevado acima do primitivismo, o medo de escassez os leva a explorar o semelhante na falsa crença de segurança garantida por riqueza.

Mestre Rousseau sugere no Contrato Social que o ajuntamento de riqueza teria começado quando alguém tomou para si se um pedaço da terra que até então era de uso coletivo. Sabe-se que a terra era a única riqueza de então. Independentemente do modo como teria começado, o fato é que a necessidade de riqueza se tornou o principal objetivo da vida. Como não é possível construir riqueza sozinho, inventaram-se métodos de indução para fazer as pessoas agirem inconscientemente como fazem ao ensinar aos filhos que um velho esvoaça o céu numa carroça puxada por viados, mesmo sabendo ser isto impossível.

 

ARENGA 475

 

            Se é verdade que mestre Hegel afirmou que a única coisa que se aprende estudando história é que nada se aprende estudando história, mestre Hegel falou uma coisa sem sentido, donde se deduz que as meditações dos sábios podem levá-los também a conclusões equivocadas. O estudo da História nos ensina muito. Dos seus ensinamentos, dois livrariam a humanidade de todos os sofrimentos que apesar de evitáveis infelicitam-na. O primeiro deles é que depois de tantas descobertas em vários campos do conhecimento os humanos ainda não foram capazes de descobrir um meio que lhes possibilite viver sem desarmonia, permanecendo, em termos espirituais, no mesmo nível de seus antepassados brutamontes, matando seus irmãos em busca de riqueza e poder. Estão tão longe dos ideais de paz e felicidade que afirmam que para ter paz precisam estar prontos para a guerra e que para ter felicidade precisam ter muito dinheiro.

Estudando História movido pela curiosidade de aprender em vez da necessidade de passar no vestibular adquire-se a compreensão de que tanto a política quanto a religiosidade são dois engodos monumentais. Tanto uma quanto a outra se resumem em um número imensurável de parasitas vivendo às custas de quem trabalha. Daí ser total perda de tempo esperar de deus ou do governo a realização do sonho de paz e tranquilidade. Se deus é como o caviar, do qual só se ouve falar, no que diz respeito ao governo, que realmente existe e pode ser apupado e xingado, nunca fez parte dos planos de nenhum governo qualquer preocupação com paz e felicidade dos governados. Ao contrário, aos governos sem exceção, interessa que o povo seja mantido em total ignorância para que não inteire das malandragens da política, objetivo que apesar de ser digno do demônio, tem tido extraordinário sucesso porquanto mantém cem por cento do interesse coletivo absorvido pelas palhaçadas do pão circo.

É tão completo o desinteresse do povo por assunto sério que nem mesmo lhe desperta interesse a evidência do perigo proveniente da ação predatória dos avaros ajuntadores de riqueza que já apodreceu as águas, envenenou o ar e a comida, desertificou a terra, destruiu as florestas e expulsou para as cidades a população do campo e os bichos que ficaram também sem moradia, prenunciando um futuro duvidoso para as crianças que mães futucadores de telefone ostentam com tanto orgulho que expõem suas barrigonas nada agradáveis à vista de quem conhece a brutalidade do processo da parição.

Refletir sobre o passado que a História expõe leva à conclusão de viver a humanidade na mesma obscuridade de quando se acreditava que o governante era entidade divina e que precisava ser tratada a pão de ló. E mais, depois de tomar conhecimento de coisas tais como Dignidades, Supérfluas, Indulgências, Dispensas, Tesouro de Merecimento, Inquisição, etc., etc., aprende-se que também a religiosidade é como o capitalismo. Ambos se mantêm exclusivamente por se desconhecer a diferença entre o que dizem ser e o que realmente são.   

Portanto, mestre Hegel está errado e os humanos devem mais que depressa deixar de lado a falta de interesse, se mirar no retrovisor da história, e mudar de atitude antes de ser tarde demais.