Quem quer que seja o portador da chave do
cofre que guarda o erário conta com um séquito de guarda-costas cuja arma, a
palavra, é superior ao canhão porque protege o sistema inteiro em vez de apenas
as pessoas que o representam. Entretanto, por mais eloquente que seja este
séquito de papagaios de microfone que em troca da despensa abastecida puxa o
saco dos ajuntadores de riqueza para os quais ideias novas têm o mesmo efeito
que tem o inseticida para os insetos, por mais que consciências prostituídas
procurem escamotear a verdade, é impossível esconder que a humanidade estaria
melhor caso fosse analisada com sensatez certas orientações de pronto
descartadas. Nada é melhor que um exemplo para esclarecer o que se quer dizer.
Então, tomemos como exemplo a figura do pensador Carl Marx sobre quem a
papagaiada de microfone cai de pau, procurando ridicularizar suas ideias.
Entretanto, dispondo-se a meditar sobre muitas coisas que ele disse, percebe-se
haver interesses escusos por trás de sua difamação. O exemplo a que queremos
nos referir é a afirmação de Marx de que os filósofos se limitam a tecer
comentários sobre o mundo, quando aquilo de que realmente se necessita é mudar
o mundo. Por mais que a consciência prostituída dos papagaios de microfone que
saem das Harvards do mundo com o cérebro lavado e beijado pela orientação dos
ajuntadores de riqueza, é impossível negar que o mundo precisa ser modificado
se seus habitantes foram tomados de tamanha paralisia mental que não percebem a
insensatez de destruir a natureza daqui e vasculhar o universo em busca de
outra.
Não é por falta de aviso que a humanidade
chafurda na inconsequência de não meditar sobre a vida, deixando-a correr ao
sabor das falsas informações alardeadas pela papagaiada de microfone a soldo
dos meios de comunicação dos imbecis ajuntadores de riqueza. Entre pessoas
sabidamente cultas e inteligentes que advertiram quanto à necessidade de ter
cuidado ao dar crédito às informações oriundas desta corja está o pensador Thomas
Hobbes. Tendo ele vivido na época em que a honra tinha mais valor do que a
própria vida e era defendida em duelos mortais de espada, para mostrar o perigo
que há nas falsas informações, na página 47 do livro Leviatã, o filósofo ilustrou
seu pensamento a esse respeito sugerindo a situação em que um espadachim
instruído por falso instrutor de esgrima haveria de se dar muitíssimo mal num
duelo. É perfeita esta comparação. Exatamente por ser instruída por falsas
informações, entre elas a de serem perigosas as ideias de Marx, é que a
humanidade se dá tão mal na vida.
Um livro chamado A CAPITAL DA SOLIDÃO, do
intelectual, escritor e grande jornalista Roberto Pompeu de Toledo, embora escrito
com outro objetivo, exemplifica com perfeição o tamanho do benefício que
adviria da mudança a que se refere o Marx, tão espezinhado quanto a Geni do
controvertido Chico Buarque. O livro versa sobre a prosperidade da Cidade de
São Paulo a partir da passagem do século XIX para o século XX, quando teria acontecido
uma explosão de prosperidade e aquela cidade se transformou num aglomerado de
gente vinda de diferentes partes do mundo, e daí em diante virou a São Paulo
que se conhece hoje. Esse “que se conhece hoje” e essa “prosperidade”, se bem
pensado, significam exatamente a necessidade de mudança a que se referia Marx
porque não obstante o orgulho que têm os paulistas de sua cidade, embora não o
saibam, o que eles consideram prosperidade, é na verdade, causa de infelicidade ainda maior do que a
infelicidade dos habitantes das demais cidades também infelizes deste país infeliz
de torcedores, religiosos, carnavalescos e lavadores de escadas de igreja. Os cerca
de treze milhões de habitantes da Cidade de São Paulo vivem amontoados entre
dois grandes esgotos fedorentos, respirando ar pestilento, sob a perspectiva de
faltar chuva e ficarem sem a água com bosta que bebem, ou chover muito e se
afogarem ou serem esmagados sob árvores ou viadutos que despencam sem avisar.
Além disso, vivem fustigados por assaltantes e crateras que se abrem repentinamente
sob seus pés, tudo isto arrematado pelas doenças que acorrem naturalmente para
todo lugar onde se ajuntam muitos seres da mesma espécie. Se a infelicidade é o
preço que os paulistanos têm de pagar em troca da prosperidade, como também
acontece no mundo todo, fica evidente a correção do que disse Marx sobre a
necessidade de mudança: Expulsem-se os sanguessugas sociais do agribiuzinesse e
faça-se uma reforma agrária nas terras por eles usadas para roubar recursos do
BNDES por meio de parceria com a corrupção política, levando para o campo os
desempregos muitos dos quais são pequenos agricultores expulsos de lá pelo
agribiuzinesse endeusado pela papagaiada de microfone, e a Cidade de São Paulo
terá um padrão de vida tão melhor que seus habitantes não mais necessitarão morrer
em acidentes ao fugir espavoridos a cada feriadão em busca de um lugar onde
respirar.
Como a mudança material precisa ser precedida
de mudança de mentalidade, mais forte ainda fica a sugestão de Marx porque
apesar de inegável o benefício decorrente de uma reforma agrária, em função das
falsas informações provenientes do desserviço prestado pela papagaiada de
microfone teúda e manteúda pelos meios de comunicação dos ricos donos do mundo,
os primeiros a serem mais beneficiados com a medida são os primeiros a
rejeitá-la. Um exemplo? Pare-se nas rodovias um dos milhares de carrinhos
vagabundos onde se lê DEUS É FIEL, e pergunte-se aos pais no banco da frente e
a seus filhos adolescentes que no banco de trás futucam telefones com os
narizes, os beiços, os bicos dos peitos, o umbigo, as sobrancelhas, as
pálpebras e “as partes” espetados de grampos, e tatuagens no resto do corpo, o
que pensam eles a respeito da reforma agrária. Dos pais ter-se-ia a resposta de
ser coisa de comunista. Dos filhos, de não saberem do que se trata.
Por isto, Marx se engana redondamente ao
esperar que uma revolução do proletariado fosse capaz de promover a necessária
mudança a que ele se refere com propriedade porque as falsas informações
passadas ao povo fazem das pessoas carneiros de deus, incapazes de gerir seu
próprio destino, realidade que se torna indiscutível ao observar que as pessoas
mais admiradas pelo povo são os “famosos” e as “celebridades” cujo mérito são
futilidades. A necessidade de mudança a que se referia Marx aparece, sobretudo,
ao se constatar que ao lixo espiritual em que a papagaiada de microfone
transformou o povo é atribuída a responsabilidade de determinar quem vai comandar
os destinos da humanidade. Refletir sobre isto tanto faz entender o motivo da tristeza
dos sábios em relação à vida, quanto ao fato de que em vez de ficarem tristes,
os sábios deveriam empregar sua sabedoria numa luta empedernida no sentido de
convencer estas pobres e primitivas criaturas que integram a atual categoria
desprezível de povo da necessidade de fazer uso da inteligência que eles nem mesmo sabem que têm a fim de passarem para a categoria de gente e se tornarem capazes de
distinguir entre o trigo encontrado na proposta de Marx e o joio encontrado na proposta
dos papagaios de microfone que um dia serão tão desprezados quanto os inquisidores
que em nome de deus condenaram Galileu pelo crime de afirmar que a Terra
girava. Inté.