sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

ARENGA 523


Para os cristãos brasileiros, a ideia de que tudo acaba com a morte deveria ser mais alvissareira do que a ilusão de uma vida posterior a ela. A perspectiva da continuação da existência eternizaria o martírio do profeta maior do cristianismo, fazendo-o contemplar um triste quadro no qual canalhas da pior espécie enxovalham seu nome santo. Isto haveria de causar em Cristo sofrimento ainda mais atroz ao do Calvário porquanto a dor moral martiriza mais que a dor física uma vez que esta não é capaz de levar à depressão. Até débito bancário de religioso afirma-se na televisão que Cristo saldou, e a dívida desapareceu milagrosamente sem que o devedor desembolsasse um só tostão. Não haveria limite para o sofrimento de Jesus Cristo ao constatar estar ele incentivando a agiotagem contra a qual esbravejou a chicotadas no Templo de Jerusalém e o sacrifício de tentar levar esclarecimento à humanidade, para depois de tudo aquilo por que passou ter de contemplar cretinos aproveitar da ignorância do povo que ele tanto quis proteger para roubá-lo cínica e abertamente sob o olhar complacente das autoridades políticas. Seria realmente doloroso para Cristo ver que deturparam seus sentimentos puros tão violentamente que o pensador John Haywood disse com propriedade: “Quanto mais perto da igreja, mais longe de Deus”.

O descompasso em que vivem os seres humanos precisa contar com a intervenção dos intelectuais honestos, porque os há desonestos, como aqueles que a fim de terem a despensa abastecida insinuam ser a competição a melhor forma de vida social. Os intelectuais que não prostituem suas mentes precisam agir contra a conivência das autoridades com a ação hediondamente criminosa de alimentar a ignorância humana. São os próprios intelectuais que afirmam ser a ignorância a fonte da infelicidade humana. Então, se sabem disso, por que a omissão em lutar para secar esta fonte? Não se justifica que se ponham a escrever livros que nada tenham a ver com a luta iniciada por Cristo de levar esclarecimento à barbárie humana vez que ela é cada vez mais vigorosa.

O foco de toda e qualquer ação meditativa deve ser livrar a juventude das garras da ignorância de que se beneficiam os monstruosos Midas ajuntadores de riqueza que para tal fim incentivam a ignorância com tamanha eficiência que o povo se sente feliz na escravidão. Combater a ignorância equivale a garantir sobrevivência e dignidade para as futuras gerações. Faz-se, pois, necessário lutar contra o predomínio da insensatez de ter a humanidade de seguir caminhos indicados pelos imbecis ajuntadores de riqueza porque de sua orientação advirá a inevitável sublevação social decorrente da irracionalidade de privatizar em poucas mãos a riqueza que deveria servir à coletividade e que custa a vitalidade daqueles que precisam vender sua força trabalho, mas que ironicamente se veem privados de usufruírem do produto proveniente do seu esforço.

Percebe-se estar tudo errado quando se constata que estes monstros inviabilizadores da boa convivência humana a que se referia John Lennon constituem a classe dominante que mereceu de Marx a seguinte análise: “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as ideias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual”.

Aí está, pois, a explicação do porquê da ojeriza generalizada às ideias marxistas. É por ter sido Marx um intelectual de consciência não prostituível e que por isto mesmo falava a mesma verdade que todos os intelectuais precisam falar para salvar a humanidade das trevas da espiritualidade demoníaca produzida nos laboratórios satânicos dos ajuntadores de riqueza. Marx preveniu serem estes sátrapas que juntamente com os bens materiais que produzem e com os quais esfolam o rabo da humanidade também produzem a espiritualidade humana objetivando perenizar a satisfação de sua avareza. Com a força do dinheiro, subjugaram a mente humana a uma nova escravidão imposta pela televisão, como observou com perfeição o escritor Vinícius Bittencourt: “Sendo a ignorância a fonte de todos os males e o livro o portal da sabedoria, é óbvio que a substituição deste pela vulgaridade da televisão importa em suicídio intelectual. Os viciados naquele entorpecente – pior que os outros, porque seus efeitos são direcionados – destinam-se a servir de massa de manobra para quem efetua, através de telenovelas e programas imbecilizantes, a sua lavagem cerebral. A consequência desta indução perniciosa será a morte do livro. Hoje, aliás, já não se lê. A leitura restringe-se a jornais e revistas. Quando um livro desperta interesse é porque aborda tema de uma telenovela. Já estamos na era da estupidez e da cretinice. E a Caixa de Pandora ainda não se abriu completamente”.

Por falta de leitura os frequentadores de igreja, axé e futebola não sabem que sua explicação para o fenômeno da Criação e tão ingênua quanto que que apresentavam os gregos de cerca de três mil anos atrás, e era a seguinte, conforme página 24 do livro Mitologia, de Thomas Bulfinch: Os gregos acreditavam que encarregado da Criação, o deus Prometeu tinha exagerado no gasto dos recursos de que dispunha para fabricar os poderes a serem atribuídos ao homem e ficara sem condições de dotá-lo de superioridade em relação aos outros animais. Pediu então ajuda ao seu irmão, o também deus Epimeteu. Ajudados por Minerva, subiram ambos ao céu e acendeu uma tocha no fogo do sol, que trouxe para o homem. A posse do fogo dotou o homem de tamanho poder que lhe permitiu fabricar armas e ferramentas. Como a mulher ainda não fora criada, Júpiter, o chefão dos deuses, fez a mulher Pandora e mandou de presente como castigo para os dois ladrões do fogo do céu. Acontece que Prometeu havia deixado guardados numa caixa males que não usara na Criação como doença, inveja, vingança, entre outros. Curiosa, Pandora abriu a caixa, os males saíram e afetaram a humanidade.

A explicação atual dos frequentadores de igreja, axé e futebola para o fenômeno da Criação merecerá o mesmo crédito que hoje merece esta explicação dos gregos antigos. Inté.
















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