sábado, 19 de janeiro de 2019

ARENGA 525


Quem quer que seja o portador da chave do cofre que guarda o erário conta com um séquito de guarda-costas cuja arma, a palavra, é superior ao canhão porque protege o sistema inteiro em vez de apenas as pessoas que o representam. Entretanto, por mais eloquente que seja este séquito de papagaios de microfone que em troca da despensa abastecida puxa o saco dos ajuntadores de riqueza para os quais ideias novas têm o mesmo efeito que tem o inseticida para os insetos, por mais que consciências prostituídas procurem escamotear a verdade, é impossível esconder que a humanidade estaria melhor caso fosse analisada com sensatez certas orientações de pronto descartadas. Nada é melhor que um exemplo para esclarecer o que se quer dizer. Então, tomemos como exemplo a figura do pensador Carl Marx sobre quem a papagaiada de microfone cai de pau, procurando ridicularizar suas ideias. Entretanto, dispondo-se a meditar sobre muitas coisas que ele disse, percebe-se haver interesses escusos por trás de sua difamação. O exemplo a que queremos nos referir é a afirmação de Marx de que os filósofos se limitam a tecer comentários sobre o mundo, quando aquilo de que realmente se necessita é mudar o mundo. Por mais que a consciência prostituída dos papagaios de microfone que saem das Harvards do mundo com o cérebro lavado e beijado pela orientação dos ajuntadores de riqueza, é impossível negar que o mundo precisa ser modificado se seus habitantes foram tomados de tamanha paralisia mental que não percebem a insensatez de destruir a natureza daqui e vasculhar o universo em busca de outra.

Não é por falta de aviso que a humanidade chafurda na inconsequência de não meditar sobre a vida, deixando-a correr ao sabor das falsas informações alardeadas pela papagaiada de microfone a soldo dos meios de comunicação dos imbecis ajuntadores de riqueza. Entre pessoas sabidamente cultas e inteligentes que advertiram quanto à necessidade de ter cuidado ao dar crédito às informações oriundas desta corja está o pensador Thomas Hobbes. Tendo ele vivido na época em que a honra tinha mais valor do que a própria vida e era defendida em duelos mortais de espada, para mostrar o perigo que há nas falsas informações, na página 47 do livro Leviatã, o filósofo ilustrou seu pensamento a esse respeito sugerindo a situação em que um espadachim instruído por falso instrutor de esgrima haveria de se dar muitíssimo mal num duelo. É perfeita esta comparação. Exatamente por ser instruída por falsas informações, entre elas a de serem perigosas as ideias de Marx, é que a humanidade se dá tão mal na vida.

Um livro chamado A CAPITAL DA SOLIDÃO, do intelectual, escritor e grande jornalista Roberto Pompeu de Toledo, embora escrito com outro objetivo, exemplifica com perfeição o tamanho do benefício que adviria da mudança a que se refere o Marx, tão espezinhado quanto a Geni do controvertido Chico Buarque. O livro versa sobre a prosperidade da Cidade de São Paulo a partir da passagem do século XIX para o século XX, quando teria acontecido uma explosão de prosperidade e aquela cidade se transformou num aglomerado de gente vinda de diferentes partes do mundo, e daí em diante virou a São Paulo que se conhece hoje. Esse “que se conhece hoje” e essa “prosperidade”, se bem pensado, significam exatamente a necessidade de mudança a que se referia Marx porque não obstante o orgulho que têm os paulistas de sua cidade, embora não o saibam, o que eles consideram prosperidade, é na verdade, causa de infelicidade ainda maior do que a infelicidade dos habitantes das demais cidades também infelizes deste país infeliz de torcedores, religiosos, carnavalescos e lavadores de escadas de igreja. Os cerca de treze milhões de habitantes da Cidade de São Paulo vivem amontoados entre dois grandes esgotos fedorentos, respirando ar pestilento, sob a perspectiva de faltar chuva e ficarem sem a água com bosta que bebem, ou chover muito e se afogarem ou serem esmagados sob árvores ou viadutos que despencam sem avisar. Além disso, vivem fustigados por assaltantes e crateras que se abrem repentinamente sob seus pés, tudo isto arrematado pelas doenças que acorrem naturalmente para todo lugar onde se ajuntam muitos seres da mesma espécie. Se a infelicidade é o preço que os paulistanos têm de pagar em troca da prosperidade, como também acontece no mundo todo, fica evidente a correção do que disse Marx sobre a necessidade de mudança: Expulsem-se os sanguessugas sociais do agribiuzinesse e faça-se uma reforma agrária nas terras por eles usadas para roubar recursos do BNDES por meio de parceria com a corrupção política, levando para o campo os desempregos muitos dos quais são pequenos agricultores expulsos de lá pelo agribiuzinesse endeusado pela papagaiada de microfone, e a Cidade de São Paulo terá um padrão de vida tão melhor que seus habitantes não mais necessitarão morrer em acidentes ao fugir espavoridos a cada feriadão em busca de um lugar onde respirar.

Como a mudança material precisa ser precedida de mudança de mentalidade, mais forte ainda fica a sugestão de Marx porque apesar de inegável o benefício decorrente de uma reforma agrária, em função das falsas informações provenientes do desserviço prestado pela papagaiada de microfone teúda e manteúda pelos meios de comunicação dos ricos donos do mundo, os primeiros a serem mais beneficiados com a medida são os primeiros a rejeitá-la. Um exemplo? Pare-se nas rodovias um dos milhares de carrinhos vagabundos onde se lê DEUS É FIEL, e pergunte-se aos pais no banco da frente e a seus filhos adolescentes que no banco de trás futucam telefones com os narizes, os beiços, os bicos dos peitos, o umbigo, as sobrancelhas, as pálpebras e “as partes” espetados de grampos, e tatuagens no resto do corpo, o que pensam eles a respeito da reforma agrária. Dos pais ter-se-ia a resposta de ser coisa de comunista. Dos filhos, de não saberem do que se trata.

Por isto, Marx se engana redondamente ao esperar que uma revolução do proletariado fosse capaz de promover a necessária mudança a que ele se refere com propriedade porque as falsas informações passadas ao povo fazem das pessoas carneiros de deus, incapazes de gerir seu próprio destino, realidade que se torna indiscutível ao observar que as pessoas mais admiradas pelo povo são os “famosos” e as “celebridades” cujo mérito são futilidades. A necessidade de mudança a que se referia Marx aparece, sobretudo, ao se constatar que ao lixo espiritual em que a papagaiada de microfone transformou o povo é atribuída a responsabilidade de determinar quem vai comandar os destinos da humanidade. Refletir sobre isto tanto faz entender o motivo da tristeza dos sábios em relação à vida, quanto ao fato de que em vez de ficarem tristes, os sábios deveriam empregar sua sabedoria numa luta empedernida no sentido de convencer estas pobres e primitivas criaturas que integram a atual categoria desprezível de povo da necessidade de fazer uso da inteligência que eles nem mesmo sabem que têm a fim de passarem para a categoria de gente e se tornarem capazes de distinguir entre o trigo encontrado na proposta de Marx e o joio encontrado na proposta dos papagaios de microfone que um dia serão tão desprezados quanto os inquisidores que em nome de deus condenaram Galileu pelo crime de afirmar que a Terra girava. Inté.   


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