domingo, 3 de agosto de 2014

ARENGA QUARENTA E TRÊS.


Quando se fizer um estudo sobre o ridículo, o povo brasileiro terá a oferecer um farto manancial de informações e exemplos práticos. Nesse exato momento, formam-se multidões de povo brasileiro em frenesi a unhar as portas das embaixadas americanas nesse belo país de triste sorte e de povo inexplicavelmente alegre. Como não se escapa da herança cultural, e como o ridículo faz parte da cultura por aqui, para tirar o povo do sério, isto é, da alegria, só mesmo algo de extrema gravidade como a suspensão pelo governo americano da autorização para fazer compras em Me Ame. É insuportável ter de desfazer a pose já bolada não só para subir as escadas que levam ao interior do aviaozão, mas também, e ainda mais importante, a pose para descer do aviaozão com malas e mais malas cheias, e na mão, a futucar, o mais belo e completo aparelho de futucação a ser exibido orgulhosamente com a informação de ter sido adquirido diretamente lá nos próprios Estados Unidos, precisamente na melhor loja do ramo, aquela que fica na praça... praça... Ora, tão conhecida... Mas é em Me Ame. Quando estiver por lá, meu amigo, vale a pena fazer uma visita. É impossível sair de lá de mão vazia. Aquilo lá precisa ser copiado. Fizemos muitíssimo bem em trazer o Halloween para nossas crianças. Como disse o Magalhães, o que vem de lá só faz bem ao Brasil!

Aos integrantes do povo a espernear em frente às embaixadas não ocorre o porquê de não se poder ir às compras em Me Ame, se os gringos da bunda branca são tão apaixonados por dinheiro quanto peru é apaixonado por caviar. Entre esta disposição de compradores para comprar, e da indisposição de vendedores para vender permeia uma realidade imperceptível para quem está sob o efeito da euforia do “ir às compras” exigido pela televisão. Não é nem de longe a falta de vontade de vender, é que a presença dos brasileiros é indesejada em qualquer lugar onde as pessoas tenham um mínimo de noção de dignidade, coisa que passa a anos luz da cabeça de um povo que bajula quem os discrimina. Até roupa feita com o lixo dos gringos de bunda alvejada os brasileiros ostentam com orgulho. Se veio de lá é porque é bom, garantem.

Está faltando um susto no povo que o ajude a despertar do torpor mental em que se encontra. Uma das maravilhas da internete é poder ver o filme denominado O Vento Será tua herança, sobre uma história ocorrida nos Estados Unidos nos anos vinte do século passado, quando um jovem professor foi julgado pelo crime de ter se referido a seus alunos sobre a teoria da evolução. É uma verdadeira maravilha o diálogo entre o fanatismo religioso capaz de considerar crime grave o fato de se falar sobre o que pensava o Charles Darwin e o advogado encarregado de defender o professor considerado criminoso. É absolutamente certo que a ninguém do povo o filme despertaria atenção porque não se trata de socos e tiros, mas sim de um diálogo inteligente que faz pensar. Como o povo não pensa, achará uma grande prosa. Mas aquelas pessoas que pensam, e conheço pelo menos um jovem capaz dessa façanha, só vale a pena ouvir e analisar os diálogos. Apesar de ficar demonstrado que a ciência levou a melhor, a força da religiosidade americana fez com que o filme mostrasse seu poder através da cena final em que o advogado vitorioso e ímpio leva a bíblia consigo. Percebe-se este intuito no fato de ter o referido advogado demonstrado grande conhecimento sobre a bíblia, razão pela qual não lhe podia despertar nenhum interesse o exemplar da bíblia que ele levou consigo. Qualquer pessoa medianamente esclarecida só encontra bobagens na bíblia além de muito sangue e matança até de filhotes de gente e de animais. Cordeirinhos, crianças, pombos, novilhos, nada escapava da fúria existente nas páginas da bíblia, assunto que pretendo arengar na próxima arenga.

Ainda sobre o filme, visto pelos olhos de quem se interessa pelo futuro das criancinhas rechonchudas mostra quanto lento é o avanço do povo no afastamento da ignorância da realidade da vida. Mostra também que a convicção da existência de Deus leva pessoas aparentemente ponderadas a sair do estado normal para um estado anormal de ódio à simples sugestão de outra explicação para a existência das coisas. Isto fica maravilhosamente demonstrado no filme e é por isso que vale a pena assistir e refletir sobre quem está mais de acordo com a lógica da qual não devemos nos afastar sob pena de se viver iludido como se vive.

A dificuldade para conseguir viver fora do mundo perigoso das ilusões está na facilidade com que o povo é conduzido numa obediência cega da qual resulta um eficientíssimo bloqueio às idéias novas. Sempre houve e sempre haverá mártires por ter percebido uma realidade ainda não percebida pelos demais membros do grupo. É realmente perigosa a situação de quem apresenta alguma novidade que descobriu, mas ignorada pelos demais. Mudar de um hábito a que se está acostumado para outro      que ainda não se conhece sempre foi motivo de resistência. Isto, infelizmente, acompanha a humanidade desde sempre. Entretanto, comportamento adequado seria examinar imparcialmente a novidade. Também este comportamento é explicado pela morosidade com que o povo assimila algum aprendizado capaz de lhe ministrar um ainda que parco esclarecimento. Se há cinco séculos não sabíamos ler, hoje pode o povo se pavonear de ter sido chamado pela professora para ir ao quadro negro (no meu tempo era assim que se chamava) e escrever a palavra “SENSO”. Levantou-se o povo de sua carteira, pegou o giz e escreveu: “CENÇO”. Já ia voltando para seu lugar quando a professora disse que estava errado. Sem pestanejar, o povo voltou ao quadro e tascou uma cedilha também no primeiro “C”, mudando a palavra “SENSO” para “ÇENÇO”. Cala-te boca porque você tem telhado de vidro. Precisei olhar no dicionário para ver como se escrevia. Outra coisa que precisa ser mudada nesse país desorientado é a grafia embaraçosa das palavras. Alguém é capaz de encontrar alguma diferença entre o som do “CHI” de “CHIQUEIRO” e o som do “XI” de “XÍCARA”?  Ou entre o “ZE” de DEZEMBRO” e o “ZE” de “DESENHO”?

Tudo decorre do vagar com que caminha a mente do povo porque as normas em torno das quais gira a sociedade são estabelecidas por pessoas escolhidas pelo povo com sua mentalidade lá no tempo do julgamento do professor que virou criminoso por ter falado na sala de aula sobre as idéias de um cientista. O que esperar de uma administração executada por pessoas escolhidas segundo a vontade da parcela da população de menor lucidez e discernimento? Não pode ser outra coisa senão uma sociedade onde apesar de viverem polícia e bandidos se matando ferozmente numa guerra fratricida, vive a censurar guerras lá de longe. Tá ou não tá na hora de dar uma sacudidela no povo? Inté.

  

 

 

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