Quando se
fizer um estudo sobre o ridículo, o povo brasileiro terá a oferecer um farto
manancial de informações e exemplos práticos. Nesse exato momento, formam-se
multidões de povo brasileiro em frenesi a unhar as portas das embaixadas
americanas nesse belo país de triste sorte e de povo inexplicavelmente alegre.
Como não se escapa da herança cultural, e como o ridículo faz parte da cultura
por aqui, para tirar o povo do sério, isto é, da alegria, só mesmo algo de
extrema gravidade como a suspensão pelo governo americano da autorização para
fazer compras em Me Ame. É insuportável ter de desfazer a pose já bolada não só
para subir as escadas que levam ao interior do aviaozão, mas também, e ainda
mais importante, a pose para descer do aviaozão com malas e mais malas cheias,
e na mão, a futucar, o mais belo e completo aparelho de futucação a ser exibido
orgulhosamente com a informação de ter sido adquirido diretamente lá nos
próprios Estados Unidos, precisamente na melhor loja do ramo, aquela que fica
na praça... praça... Ora, tão conhecida... Mas é em Me Ame. Quando estiver por
lá, meu amigo, vale a pena fazer uma visita. É impossível sair de lá de mão
vazia. Aquilo lá precisa ser copiado. Fizemos muitíssimo bem em trazer o Halloween
para nossas crianças. Como disse o Magalhães, o que vem de lá só faz bem ao
Brasil!
Aos
integrantes do povo a espernear em frente às embaixadas não ocorre o porquê de
não se poder ir às compras em Me Ame, se os gringos da bunda branca são tão
apaixonados por dinheiro quanto peru é apaixonado por caviar. Entre esta
disposição de compradores para comprar, e da indisposição de vendedores para vender
permeia uma realidade imperceptível para quem está sob o efeito da euforia do “ir
às compras” exigido pela televisão. Não é nem de longe a falta de vontade de
vender, é que a presença dos brasileiros é indesejada em qualquer lugar onde as
pessoas tenham um mínimo de noção de dignidade, coisa que passa a anos luz da
cabeça de um povo que bajula quem os discrimina. Até roupa feita com o lixo dos
gringos de bunda alvejada os brasileiros ostentam com orgulho. Se veio de lá é
porque é bom, garantem.
Está
faltando um susto no povo que o ajude a despertar do torpor mental em que se
encontra. Uma das maravilhas da internete é poder ver o filme denominado O
Vento Será tua herança, sobre uma história ocorrida nos Estados Unidos nos anos
vinte do século passado, quando um jovem professor foi julgado pelo crime de
ter se referido a seus alunos sobre a teoria da evolução. É uma verdadeira
maravilha o diálogo entre o fanatismo religioso capaz de considerar crime grave
o fato de se falar sobre o que pensava o Charles Darwin e o advogado
encarregado de defender o professor considerado criminoso. É absolutamente certo
que a ninguém do povo o filme despertaria atenção porque não se trata de socos
e tiros, mas sim de um diálogo inteligente que faz pensar. Como o povo não
pensa, achará uma grande prosa. Mas aquelas pessoas que pensam, e conheço pelo
menos um jovem capaz dessa façanha, só vale a pena ouvir e analisar os
diálogos. Apesar de ficar demonstrado que a ciência levou a melhor, a força da
religiosidade americana fez com que o filme mostrasse seu poder através da cena
final em que o advogado vitorioso e ímpio leva a bíblia consigo. Percebe-se
este intuito no fato de ter o referido advogado demonstrado grande conhecimento
sobre a bíblia, razão pela qual não lhe podia despertar nenhum interesse o
exemplar da bíblia que ele levou consigo. Qualquer pessoa medianamente
esclarecida só encontra bobagens na bíblia além de muito sangue e matança até
de filhotes de gente e de animais. Cordeirinhos, crianças, pombos, novilhos,
nada escapava da fúria existente nas páginas da bíblia, assunto que pretendo
arengar na próxima arenga.
Ainda sobre
o filme, visto pelos olhos de quem se interessa pelo futuro das criancinhas
rechonchudas mostra quanto lento é o avanço do povo no afastamento da
ignorância da realidade da vida. Mostra também que a convicção da existência de
Deus leva pessoas aparentemente ponderadas a sair do estado normal para um
estado anormal de ódio à simples sugestão de outra explicação para a existência
das coisas. Isto fica maravilhosamente demonstrado no filme e é por isso que
vale a pena assistir e refletir sobre quem está mais de acordo com a lógica da
qual não devemos nos afastar sob pena de se viver iludido como se vive.
A
dificuldade para conseguir viver fora do mundo perigoso das ilusões está na
facilidade com que o povo é conduzido numa obediência cega da qual resulta um
eficientíssimo bloqueio às idéias novas. Sempre houve e sempre haverá mártires
por ter percebido uma realidade ainda não percebida pelos demais membros do
grupo. É realmente perigosa a situação de quem apresenta alguma novidade que
descobriu, mas ignorada pelos demais. Mudar de um hábito a que se está
acostumado para outro que ainda não
se conhece sempre foi motivo de resistência. Isto, infelizmente, acompanha a
humanidade desde sempre. Entretanto, comportamento adequado seria examinar
imparcialmente a novidade. Também este comportamento é explicado pela morosidade
com que o povo assimila algum aprendizado capaz de lhe ministrar um ainda que
parco esclarecimento. Se há cinco séculos não sabíamos ler, hoje pode o povo se
pavonear de ter sido chamado pela professora para ir ao quadro negro (no meu
tempo era assim que se chamava) e escrever a palavra “SENSO”. Levantou-se o
povo de sua carteira, pegou o giz e escreveu: “CENÇO”. Já ia voltando para seu
lugar quando a professora disse que estava errado. Sem pestanejar, o povo
voltou ao quadro e tascou uma cedilha também no primeiro “C”, mudando a palavra
“SENSO” para “ÇENÇO”. Cala-te boca porque você tem telhado de vidro. Precisei
olhar no dicionário para ver como se escrevia. Outra coisa que precisa ser
mudada nesse país desorientado é a grafia embaraçosa das palavras. Alguém é
capaz de encontrar alguma diferença entre o som do “CHI” de “CHIQUEIRO” e o som
do “XI” de “XÍCARA”? Ou entre o “ZE” de
DEZEMBRO” e o “ZE” de “DESENHO”?
Tudo
decorre do vagar com que caminha a mente do povo porque as normas em torno das
quais gira a sociedade são estabelecidas por pessoas escolhidas pelo povo com
sua mentalidade lá no tempo do julgamento do professor que virou criminoso por
ter falado na sala de aula sobre as idéias de um cientista. O que esperar de
uma administração executada por pessoas escolhidas segundo a vontade da parcela
da população de menor lucidez e discernimento? Não pode ser outra coisa senão
uma sociedade onde apesar de viverem polícia e bandidos se matando ferozmente
numa guerra fratricida, vive a censurar guerras lá de longe. Tá ou não tá na
hora de dar uma sacudidela no povo? Inté.
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