domingo, 24 de agosto de 2014

ARENGA QUARENTA E SEIS


È esquisito que em meio a tantas pessoas capacitadas para pensar, escrever e falar, ninguém se arvora a indicar uma saída para a situação de descalabro em que se encontra a sociedade humana. Mostrar os mal-feitos, não falta quem mostre. Livros, jornais, revistas, imprensa falada, entrevistas, tudo isso faz referência aos erros, mas não passa de referência a que ninguém liga. Afirmações de estudiosos que dedicaram anos e anos aos estudos são até motivo de chacota por parte de quem nunca abriu um livro sequer. Observações sobre o resultado maligno do aquecimento do ar cujas consequências já se fazem sentir nas tempestades, secas, tremores de terra, dos quais se acredita proteger através de divindades que não prestam nem para proteger seus representantes maiores que preferem a proteção das armas. A vida é encarada sob um falso ponto de vista, decorrendo daí um ambiente social também falso. Quem está certo de que uma coisa é de determinado jeito, sem nunca cogitar da possibilidade de ser esta coisa de outro jeito, muitas vezes incorre em erro porque não é a primeira nem a segunda vez que determinada coisa tida como sendo de certo jeito vir a se revelar ser de outro jeito. Já se teve receio de tomar leite e chupar manga porque se acreditava ser uma combinação venenosa. Já se borrou de medo do trovão e já se teve certeza de ser a Terra quadrada, como também já se torrou na fogueira quem falasse e pensasse do jeito que eu falo e penso. Mas a falsidade das coisas demora muito para ser percebida porque só se revela quando o comportamento se mostra equivocado como está a demonstrar o relacionamento entre os seres humanos, condenado por absolutamente incompatível com a condição de ser humano.

Não há mais espaço no mundo para o tipo de vida que se tem vivido. Enquanto bombas explodem em nome de Deus, atirando longe braços de crianças, futilidade é assunto de primeira importância entre gente supostamente civilizada como os ingleses, tão saudosistas da monarquia a ponto de repetirem uma história pouco provável de que a rainha francesa Maria Antonieta teria moldado uma taça no seu peito, a fim de perpetuar esta lembrança, procuraram os “civilizados” ingleses repetir o gesto daquela infeliz rainha que também em meio aos distúrbios que a infelicitavam, em vez de se dedicar a corrigir os muitos erros cometidos, usava esse precioso tempo para moldar taça no seu peito. Pois, apesar de guerras e tantas bomba, vem dos meios ingleses a importante notícia de outra taça moderna moldada no peito da atriz que representou em filme a infeliz rainha guilhotinada. É também entre os “civilizados” ingleses que “homens” se internaram em hospital para se submeter a processo que os fizesse sentir a dor do parto. Notícias de imbecilidades na imprensa mundial ocupam o lugar onde deveriam estar assuntos relacionados com o futuro das pobres e inocentes criancinhas rechonchudas. Este primor de notícia, do interesse da absoluta maioria da juventude demonstra bem a inexistência de preocupação com as coisas que causam preocupação: “Incansáveis, Boateng e noiva fazem sexo de sete a dez vezes por semana”. Saber de trepadas é mais importante do que saber sobre o futuro dos filhos. Parece viver o mundo o ambiente pré Revolução Francesa. Sem esquecer a importância da atividade sexual, ela tem sido exacerbada de tal modo que juntamente com alimentação envenenada já provoca alterações no organismo das crianças que estão menstruando aos oito anos de idade, o que não devia nem de longe acontecer. Onde fica a indispensável fase de criança destas crianças?

São as pessoas que fazem com que as coisas sejam do jeito que são. Portanto, se faz necessário mudar para um jeito menos desagradável a atividade de viver. Ela nunca deveria se resumir à banalidade de comer, cagar e trepar como os outros seres vivos considerados inferiores. Não há sentido em se resumir a ação humana durante a vida à torpeza e à vilania de se aproveitar do semelhante para levar algum tipo de vantagem, comportamento que desde sempre orienta as ações humanas, inclusive adotado pelos líderes que usam a liderança como esperteza para se locupletar. Desde que se tem notícia da raça humana que também se tem notícia do antagonismo que sempre orientou a relação entre os seres humanos em função da exploração de uns pelos outros, mudando apenas as formas pelas quais se exercia e exerce esta exploração: escravista, feudal e capitalista são as modalidades mediante as quais poucos viveram e ainda vivem do trabalho de muitos. Não há, portanto, como se construir um ambiente ideal onde haja paz se a tônica do ânimo dos homens é a mal-querença. O presente revela evidente desastre resultante desse modo de encarar a vida como dependente só de riqueza ilimitada em vez de reflexão sobre o modo como sempre se viveu e como se deveria viver porque matança não faz parte da vida.

Quando algum dos Pinóquios caçadores de votos cumprem a promessa de promover educação, trata-se, na verdade, de uma preparação técnica para produzir dinheiro. Chamar isso de educação é estar tão equivocado quanto o feioso Henry Kissinger recomendando a competitividade da qual resultam ganhadores e perdedores, quando, na realidade, não há necessidade de perdedores. Só de ganhadores das benesses que um desenvolvimento sadio pode oferecer às pessoas, mas que deve estar ao alcance realmente de todas as pessoas. Por falta de ensinamento diferente do tradicional, deixa-se de aprender sobre o que seja sociedade, e, menos ainda, que ela requer cuidados e que estes cuidados exigem esforços que serão retribuídos em forma de bem-estar social. Sem os tratos que a sociedade precisa para poder funcionar bem, o resultado é desavença e malquerer, não se justificando, portanto, a preferência pelo ruim em detrimento do bom. Mas, se as coisas estão invertidas a ponto de haver quem obrigue uma mulher a passar a noite em um quartinho sem cama e trancado por fora, com uma cobra jibóia lá dentro, se existe quem cepa fora a cabeça de um jornalista apegado ao trabalho, se acontecem as aberrações a que estamos acostumados e que parecem nem mesmo incomodar, é por ser deplorável o estado de espírito humano em decorrência de suas crenças infantis resultantes do aprendizado oriundo de um sistema educacional preparado para deseducar. Vive-se de ilusão e nada mais. Ilusão do culto à beleza, à riqueza, da banalização do sexo, do desprezo ao semelhante, da desimportância à seriedade, ingredientes dos quais resultam corredores de hospitais entupidos de gente chorando. Tá na hora de pensar, tá não? Inté. 

 

 

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