quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

LIVRE PENSAR



Lá na escola, no tempo de inocente, eu ficava impressionado com a história de Moisés e as infrutíferas tentativas de tirar do Egito o Povo de Deus. Aquilo chegava a emocionar. Ouvia-se até comentário sobre como é que se podia desobedecer a Deus! “Mas também ele viu o que é bom prá tosse.” – Dizia alguém sobre o faraó. – “O mar fechou bem na hora que eles não podiam mais voltar”.
Esta recordação da juventude inocente me ocorreu ao ouvir duas senhoras que comentavam lá na agência do correio sobre os garotos de rua e as drogas. Uma delas estava absolutamente certeza de que os próprios garotos eram os responsáveis por sua desgraça. Eles teriam inteira liberdade de utilizar de uma ferramenta chamada livre arbítrio para moldar outro tipo de vida, se assim quisessem.
Temos, pois, duas ocorrências: A primeira era a certeza de ter acontecido realmente o episódio das nove tentativas frustradas de Deus para libertar o Seu povo. A segunda ocorrência era a tranqüilidade com que a cultura implantada por falsas informações podia distorcer a verdade de modo tão brutal a ponto de fazer aquelas duas senhoras sentirem-se isentas de qualquer responsabilidade, ainda que coletiva, pela situação daquelas crianças. Criadas sem nunca ter ouvido uma palavra de carinho, tendo a rua por “doce lar”, sem terem recebido nenhuma orientação de comportamento e cuja perspectiva de futuro é nenhuma, como esperar de tais crianças um comportamento normal, se até as crianças bem educadas tem comportamentos anti sociais?
A verdade, pois, é o contrário daquilo que aquelas duas inocentes senhoras acreditavam. A sociedade é que é a culpada da infelicidade daquelas crianças por ter permitido que elas sejam tratadas em situação inferior à de cães. Impedir tratamento indigno às crianças não quer dizer que as pessoas devam cuidar pessoalmente das crianças. Basta exigir que o poder público cumpra sua função porque é seu dever. Fazer esta exigência é muito mais eficiente do que encher o saco da gente nos locais de compra com a campanha do quilo. A força do povo quando usada para exigir o que a lei lhe garante pelo direito vigente é insuperável. No Egito, o povo está exigindo a saída de um senhor todo poderoso há trinta anos dono do país, mas que vai deixar de ser por pressão do povo.
Tanto a atitude de ficar emocionado por uma história para criança como é a das dez pragas quanto aquela outra da certeza de serem os garotos os próprios responsáveis por sua situação, são atitudes infantis. São adultos pensando ainda como eu pensava quando era adolescente. O aprendizado na escola da vida e nos livros que pessoas inteligentes escreveram me mostrou muitas verdades sobre a realidade da vida através de um método eficiente que é a purificação das informações que me chegam antes de aceitá-las como verdades prontas e acabadas. Quem assim procede, além de deixar de ser um maria-vai-com-as-outras, também se livra de um comportamento falso porque oriundo de uma falsa informação.
É espantoso observar o quanto a simplicidade destas pessoas pode levá-las a se acharem intelectualmente capazes de contestar opiniões de pessoas infinitamente mais bem preparadas intelectualmente para opinar sobre qualquer assunto. Ao mesmo tempo em que as pessoas valorizam o estudo e o conhecimento, desprezam as opiniões dentro da mais absoluta lógica, que é a ciência de coerência do raciocínio. O episódio do duelo entre Deus e o Faraó, se examinado por pessoa adulta e coerente não passa de brincadeira para criança. Absolutamente ninguém com imparcialidade admitiria que Deus, senhor de todo o universo, tivesse de medir força com um governantezinho, porcaria se comparado com quem criou tudo, inclusive o Egito e o governantezinho. É absolutamente certo haver algo de errado em quem admitir aquelas intervenções divinas com castigos terríveis a pessoas que nada tinham a ver com a disputa, inclusive assassinato de crianças.
Se a simplicidade mental das pessoas que povoam o mundo ainda não lhes permite raciocinar dentro da razão, isto significa que as pessoas agem desordenadamente e é por isto que o mundo é uma desordem só. Não há ordem numa sociedade onde os que produzem o sustento do grupo fiquem de fora na hora da divisão do resultado do trabalho de todos.
Esta realidade, entretanto, não pode ser percebida pela inocência, só depois de algum amadurecimento mental que permita analisar com isenção a informação recebida porque pode ser uma falsa informação como aquela que informava ser a terra quadrada. São, pois, as falsas informações as responsáveis pelos falsos comportamentos que produzem uma sociedade tão falsa a ponto de mediocridades virarem “celebridades” e “excelências”.
Se hoje até rimos de já se ter acreditado ser a terra o centro do universo, futuramente também rirão de nós ao constatarem que alguém sem instrução tenha salário mais de mil vezes superior ao salário de um professor. Dá até para ouvir a conversa de alguém do futuro falando sobre nós (se houver gente viva no futuro): “Parece incrível” – Dizia o cara do futuro – “Folheando esta enciclopédia, vejo que as pessoas no começo do século vinte e um queimavam o seu dinheiro em fogos e festas e morriam nas filas dos hospitais por falta daquele dinheiro”. E a gozação sobre nosso comportamento continuava entre os caras do futuro: “Ah, isso não é nada”. – Dizia outro cara do futuro. – “Eles tinham um sistema de administração pública cujos administradores tinham o direito de viver em palácios e ficarem ricos.As pessoas mais bem remuneradas naquela época eram as que exerciam as atividades menos relevantes como cantar e dançar um negócio horroroso chamada axé ou participar de programas medíocres de televisão. Estas pessoas eram denominadas reis ou rainhas e realmente levavam vida de reis”.
Não pude evitar uma ponta de tristeza por constatar o quanto podia ser melhor a nossa vida se agíssemos como pessoas adultas, educadas, e bastante responsáveis para assumirmos a responsabilidade pelo que somos responsáveis, superando a eterna criança só para brincadeiras. Viver em sociedade exige responsabilidade.






Um comentário:

  1. Caro Zé Brabo

    É com prazer que chego até este blog. Já no primeiro artigo que leio percebo como será interessante navegar nos pensamentos postados aqui, por esta pessoa singular que acabamos de conhecer e que de tão especial nos presenteia com esse espaço de discussão virtual, um convite a pararmos um pouco, deixar a correria de lado, e fazermos uso de nossa massa cinzenta para a construção de conhecimentos, tão caros a nós. O tema "viver em sociedade" é riquíssimo, e tão divergente daquilo que vemos hoje em dia. As senhoras relatadas,com certeza, representam aquelas pessoas que vivem em intenso conformismo, sem querer se dar conta do real sentido de viver em sociedade. Quando entenderemos que, enquanto sociedade, fazemos parte de um todo, e somos responsáveis por ele. Quando entendermos que o Estado sou eu, e nos responsabilizarmos mais por ele, talvez possamos ver alguma coisa se modificar. Mas isso está um pouco longe de acontecer, afinal, acabamos jogando o jogo que aqueles que estão no poder desejam que jogamos e que nos coloca numa situação de o domínio da minoria pela fragmentação da maioria.
    Como já disse alguém em outro momento: ESTADO É IGUAL FEIJÃO SÓ FUNCIONA NA PRESSÃO!!!

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