quarta-feira, 14 de julho de 2021

ARENGA 596

 

A organização social humana não condiz com a realidade de se tratar de obra executada por seres dotados de inteligência porque parece ser impossível haver inteligência em criaturas dominadas por ânimo destrutivo tão exuberante que destroem não só suas próprias construções, mas também a si mesmas. Destroem, inclusive, a possibilidade de superar o primitivismo e se tornarem civilizadas posto que montaram uma organização social inferior à das abelhas e formigas na qual todos os membros da sociedade trabalham em benefício da coletividade. Ao contrário da sociedade humana onde muitos trabalham e poucos desfrutam, na sociedade de irracionais todos produzem para que todos desfrutem. Não haveria por trás desta situação total desinteligência? Parece inegável sobretudo porque na sociedade humana, por mais desumano que seja é legal e mesmo necessário que seres humanos se tornem propriedade de outros seres humanos, atitude na qual resplandece imensurável estupidez e desumanidade. Como permitir-se que seres humanos privem outros seres humanos de dignidade tornando-os mercadoria, e de forma tão absolutamente abjeta que tal direito pode determinar se o escravizado deve morrer.

 Apesar de inadmissível esta monstruosidade que não era segredo no tempo da escravidão da chibata quando homens, mulheres e crianças eram nada mais que animais de serviço e objeto de negócio tão lucrativo que enriqueceu muita gente, se é que se pode considerar gente esse tipo de gente, embora não se pode deixar de levar em consideração a cultura da época.

Treze de Maio de 1888! Acabou a escravidão no Brasil! Acabou? Não, não acabou! Proibido látego, a escravidão metamorfoseou-se, tomou forma de emprego, e continua de bandeira desfraldada vez que outra coisa não é senão escravo quem por força da necessidade de vender força trabalho, como se deve entender o emprego, vê-se obrigado a ter definhada a vitalidade vez que não lhe é permitido dormir o necessário, ter de adquirir doenças em função da atividade, ser privado da tranquilidade de sentar-se à mesa com a família para não perder o chamado do apito do patrão.

E a demonstração de desinteligência agiganta diante da seguinte questão: sendo de escravizados a absoluta maioria da sociedade humana, e sendo esta maioria que escolhe as autoridades responsáveis por este tipo perverso de organização social, por que, então, são escolhidos para os postos de mando justamente as pessoas interessadas em preservar a penalização da maioria, como se a sociedade fosse formada de masoquistas e de sádicos? Da forma como foi organizada a sociedade humana, de escravizadores e escravizados, sobra sofrimento para todo mundo. Mestre Platão observou que ao subjugar outras pessoas o subjugador forma suas próprias cadeias.

Para melhor ilustrar a monstruosidade em que nos encontramos envolvidos é que este cantinho de pensar transcreve parte do discurso proferido pelo senador Paulino de Sousa, na ocasião em que foi aprovada a extinção da escravidão negra no Brasil, o último país do mundo a fingir extinguir a prática de considerar seres humanos como se humanos não fossem. Na página 28 do livro Raízes Do Conservadorismo Brasileiro, de Juremir Machado da Silva, pode ser encontrada amostra de como a sociedade humana foi engendrada de modo tão estúpido que não estariam fora da realidade as palavras com as quais aquele senador considerava desumano acabar com a desumanidade da escravidão. É isso mesmo, haveria humanidade, altruísmo, generosidade e sentimento de irmandade na escravidão porque sua eliminação teria como consequência deixar ao Léo  velhos e crianças, o que, nos moldes da organização social escravagista não é de todo sem razão como mostram as palavras do senador Paulino Sousa, explicando o porquê de ser um mal acabar com a escravidão: “É desumana porque deixa expostos à miséria e à morte os inválidos, os enfermos, os velhos, órfãos e crianças abandonadas da raça que se quer proteger, até hoje nas fazendas a cargo dos proprietários, que hoje arruinados e abandonados pelos trabalhadores válidos, não poderão manter aqueles infelizes por maiores que sejam os impulsos de uma caridade que é conhecida e admirada por todos que todos que frequentam o interior do país”.

Pode haver vislumbre de inteligência em seres que organizam uma sociedade na qual há na escravidão amor pelo próximo? Pois, dentro da monstruosa sociedade humana é o que acontece.

A exuberância de irracionalidade humana se mostra de forma espetacular também na destruição da natureza da qual resultou esta pandemia que apesar de ter matado mais de meio milhão, não inibe festas nem que pipoquem alvoroçados campeonatos esportivos como se nada de perigoso estivesse acontecendo.

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