A organização social humana não
condiz com a realidade de se tratar de obra executada por seres dotados de
inteligência porque parece ser impossível haver inteligência em criaturas dominadas
por ânimo destrutivo tão exuberante que destroem não só suas próprias
construções, mas também a si mesmas. Destroem, inclusive, a possibilidade de superar
o primitivismo e se tornarem civilizadas posto que montaram uma organização
social inferior à das abelhas e formigas na qual todos os membros da sociedade
trabalham em benefício da coletividade. Ao contrário da sociedade humana onde
muitos trabalham e poucos desfrutam, na sociedade de irracionais todos produzem
para que todos desfrutem. Não haveria por trás desta situação total desinteligência?
Parece inegável sobretudo porque na sociedade humana, por mais desumano que seja
é legal e mesmo necessário que seres humanos se tornem propriedade de outros
seres humanos, atitude na qual resplandece imensurável estupidez e
desumanidade. Como permitir-se que seres humanos privem outros seres humanos de
dignidade tornando-os mercadoria, e de forma tão absolutamente abjeta que tal
direito pode determinar se o escravizado deve morrer.
Apesar de inadmissível esta monstruosidade que
não era segredo no tempo da escravidão da chibata quando homens, mulheres e
crianças eram nada mais que animais de serviço e objeto de negócio tão
lucrativo que enriqueceu muita gente, se é que se pode considerar gente esse
tipo de gente, embora não se pode deixar de levar em consideração a cultura da
época.
Treze de Maio de 1888! Acabou a
escravidão no Brasil! Acabou? Não, não acabou! Proibido látego, a escravidão
metamorfoseou-se, tomou forma de emprego, e continua de bandeira desfraldada vez
que outra coisa não é senão escravo quem por força da necessidade de vender força
trabalho, como se deve entender o emprego, vê-se obrigado a ter definhada a vitalidade
vez que não lhe é permitido dormir o necessário, ter de adquirir doenças em
função da atividade, ser privado da tranquilidade de sentar-se à mesa com a
família para não perder o chamado do apito do patrão.
E a demonstração de desinteligência
agiganta diante da seguinte questão: sendo de escravizados a absoluta maioria
da sociedade humana, e sendo esta maioria que escolhe as autoridades
responsáveis por este tipo perverso de organização social, por que, então, são
escolhidos para os postos de mando justamente as pessoas interessadas em
preservar a penalização da maioria, como se a sociedade fosse formada de
masoquistas e de sádicos? Da forma como foi organizada a sociedade humana, de
escravizadores e escravizados, sobra sofrimento para todo mundo. Mestre Platão
observou que ao subjugar outras pessoas o subjugador forma suas próprias
cadeias.
Para melhor ilustrar a monstruosidade
em que nos encontramos envolvidos é que este cantinho de pensar transcreve
parte do discurso proferido pelo senador Paulino de Sousa, na ocasião em que
foi aprovada a extinção da escravidão negra no Brasil, o último país do mundo a
fingir extinguir a prática de considerar seres humanos como se humanos não
fossem. Na página 28 do livro Raízes Do Conservadorismo Brasileiro, de Juremir
Machado da Silva, pode ser encontrada amostra de como a sociedade humana foi
engendrada de modo tão estúpido que não estariam fora da realidade as palavras
com as quais aquele senador considerava desumano acabar com a desumanidade da escravidão.
É isso mesmo, haveria humanidade, altruísmo, generosidade e sentimento de
irmandade na escravidão porque sua eliminação teria como consequência deixar ao
Léo velhos e crianças, o que, nos moldes
da organização social escravagista não é de todo sem razão como mostram as
palavras do senador Paulino Sousa, explicando o porquê de ser um mal acabar com
a escravidão: “É desumana porque deixa expostos à miséria e à morte os
inválidos, os enfermos, os velhos, órfãos e crianças abandonadas da raça que se
quer proteger, até hoje nas fazendas a cargo dos proprietários, que hoje
arruinados e abandonados pelos trabalhadores válidos, não poderão manter
aqueles infelizes por maiores que sejam os impulsos de uma caridade que é
conhecida e admirada por todos que todos que frequentam o interior do país”.
Pode haver vislumbre de inteligência
em seres que organizam uma sociedade na qual há na escravidão amor pelo
próximo? Pois, dentro da monstruosa sociedade humana é o que acontece.
A exuberância de irracionalidade
humana se mostra de forma espetacular também na destruição da natureza da qual resultou
esta pandemia que apesar de ter matado mais de meio milhão, não inibe festas nem
que pipoquem alvoroçados campeonatos esportivos como se nada de perigoso estivesse
acontecendo.
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