quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Drogas

De: José Mário Ferraz


Que me perdoem os gramáticos. Preciso escrever este recado para esta juventude envelhecida, enquanto o tempo me permite fazê-lo. O recado é de um jovem de setenta e quatro anos de idade. A juventude, muito mais.
As drogas servem para produzir uma sensação de bem-estar. A chamada curtição. Uma campanha capaz mostrar aos jovens as reais conseqüências desta curtição quando eles não forem mais jovens, certamente levaria aqueles mais inteligentes a pensar sobre o assunto, e estes seriam seguidos por outros até formar uma cadeia de jovens em recuperação e recuperados.
Os jovens, na realidade, não necessitam de drogas para uma curtição porque ser jovem é a maior curtição que se pode ter. Pena não saberem eles que as drogas lhes anteciparão uma velhice muito infeliz. Os jovens não aprendem a raciocinar porque a televisão não deixa. Ela elimina esta fabulosa capacidade que a natureza lhes deu. A televisão produz o pensamento que deve pensado e o povo recebe tais informações sem questionamento como aconteceu com a mensagem de que fumar Vila Rica é levar vantagem quando na realidade a única coisa que se leva em fumar Vila Rica é uma doença grave.
Os jovens não são culpados por adotarem procedimentos dos quais se arrependerão futuramente. Se há algum vilão nesta história é a natureza que segue seu curso implacável qualquer que seja o resultado de sua ação. É por isto que nasce uma criancinha com o coração do lado de fora do corpo ou duas criancinhas coladas uma na outra. Este procedimento cretino da natureza faz com que a inexperiência dos jovens os leve a comportamentos suicidas como um jovem que vi a sacudir várias vezes o saleiro sobre um imenso saco de pipocas. No futuro ele estará andando arrastando os pés como se quisesse limpar a calçada ou se tremendo todo como se quisesse fazer graça a uma criança.
Quando um jovem menospreza os ensinamentos de seu professor, ele não o faz por ser má pessoa. Ele só age desta maneira porque a inexperiência que a burrice da natureza lhe impõe não o deixa saber a falta que aquele aprendizado vai lhe fazer na hora em que ele tiver as mesmas obrigações que seu pai tem agora. Muita infelicidade seria evitada se os jovens procurassem burlar esta falha da natureza e procurassem adquirir alguma experiência com aquelas pessoas que já viveram o que eles ainda vão viver. Posso garantir aos jovens que vale a pena verificar se o prazer ou a compensação da ação que se vai tomar justifica suas conseqüências. Geralmente um só prazer custa um montão de conseqüências.
Uma ação que só trará arrependimento ao jovem é usar drogas. Uma velhice sadia só é desagradável para aqueles nada aprenderam durante sua existência. Porém, com outras doenças é um grande sofrimento. Se o jovem pudesse se ver espetado de agulhas e tubos, e o diabo a quatro, inclusive ter a higiene íntima feita por estranhos, certamente procuraria evitar tal desfecho.
A busca pela curtição é um caminho sem curva e sem volta para a UTI porque o jovem não tem autocontrole e a sensação agradável da curtição vai lhe custar um preço em saúde tão grande que ele só vai se dar conta quando chegar a inevitável fatura. A inexperiência e a impetuosidade são uma união perigosa de sentimentos e eles abundam na juventude. O jovem descobrirá tarde demais não ser possível desfrutar impunemente da busca pela curtição. A experiência é privilégio dos velhos. É por falta desta experiência que uma criança enfia o dedo na tomada elétrica.
Aquele jovem cuja falta de experiência levou a consumir droga deve tomar a precaução de evitar a busca da euforia ou estará ferrado pro resto da vida porque a euforia vai lhe pedir mais euforia e cada vez mais, e é impossível completar a satisfação da euforia. O melhor procedimento para quem usa droga, principalmente os jovens, é conseguir satisfazer-se com os primeiros sintomas da curtição. Quando passar a juventude, e se você chegar lá saudável bastante para isto, aí, sim, justifica-se uma tênue curtição em virtude da monotonia da velhice, principalmente para aqueles que tem insônia, o que não representará qualquer malefício porque o velho tem autocontrole e não se deixa dominar. Além disso, se o velho der azar e se tornar vítima do uso da droga, sua morte não fará falta alguma. Ao contrário, ele nada tem mesmo a fazer por aqui a não ser ajudar a poluir.
O meu melhor amigo, também de setenta e quatro anos, é insone e os soníferos produzem nele grande mal-estar no dia seguinte. Aconselhado por alguém da área dos fármacos, passou a fumar um cigarro de maconha à noite e dorme como ele só. Faz isto há nove anos e raramente fuma a metade de um segundo cigarro pela madrugada. Isto para um jovem seria impossível porque o jovem não se contenta com a sensação agradável inicial e vai em busca de emoção mais forte e é aí que ele se ferra para sempre.
Quando deixar de ser jovem e ganhar a sabedoria através dos ensinamentos da escola da vida ele vai descobrir que nosso corpo é uma máquina tal qual qualquer máquina mecânica. Ambas retiram a força necessária para produzir movimento de substâncias que deixam resíduos, os quais são expelidos de várias formas, com grande sujeira. Quanto mais apropriados forem os elementos dos quais as duas máquinas irão retirar sua força, menor será a sujeira e, conseqüentemente, também seu esforço. Como resultado desta economia de esforço, terá maior tempo de funcionamento e vigor. Duas máquinas similares, aquela que for objeto dos cuidados necessários à sua perfeita manutenção terá vida muito mais longa do que sua similar cuidada com desleixo.
Muitos jovens são levados às drogas pelo desânimo oriundo da falta de perspectiva de alcançar um futuro de prosperidade, e a solução que eles encontram são na realidade problemas. Abandonam seu país aventurando-se mundo afora, inclusive perdendo suas vidas nesta insanidade, ou então se entregam às drogas e o resultado é aparentar sessenta anos aos quarenta, alquebrado, quando deveria demonstrar ainda muito vigor físico.
A juventude tem motivo de sobra para melancolia e estes motivos são produzidos pela sociedade. Ao encarar, por exemplo, a batalha para se tornar um professor para receber um salário mais de mil vezes inferior ao salário de alguém que sem ir à escola torna-se rei só por jogar futebol. Isto é tão desestimulante quanto saber que a desonestidade dá maior status social e bem-estar que o trabalho honesto. Entretanto, o caminho que leva a um mundo sem estas aberrações deve ser aberto pelos próprios jovens. Este mundo está aqui mesmo em nosso belo país. Aqui há tudo de que se possa necessitar para a construção de uma sociedade na qual haja bem-estar para todos os seus membros. O que falta é o interesse em saber como achar este caminho. Ele está bem aí. Só não é percebido porque a mente está apodrecida pelas futilidades televisivas tais como enfiar espetos na cara e até nas “partes”.
Vamos lá, juventude! Justifique a nobre riqueza de ser jovem e faça da sua droga o interesse e a curiosidade de saber como seria viver em um mundo sem tantas lágrimas na televisão, sem tanta fumaça para ser respirada, sem cercas elétricas e sem medo de curtir um passeio pelas ruas. Esta é uma tarefa que levará seus descendentes a respeitá-los como grandes homens e é fácil de ser executada. Veremos como, a qualquer momento.
As drogas são um problema social do tamanho que é porque o processo utilizado pelas pessoas na busca da solução é inteiramente equivocado. É uma visão muito limitada. As questões que giram em torno do consumo de drogas são muitas. Não se pode encarar este assunto procedendo como alguém que fixa sua atenção em uma só árvore e esquece de ver a floresta. O grande mote usado pelos defensores da briga é que o tráfico causa a morte de jovens, o que não é verdade. Enquanto houver perseguição a quem vende e compra drogas haverá mortes. O único modo de evitar as mortes é exatamente o contrário de proibir, isto é, liberar. Uma vez liberado, acaba o tráfico que dá origem às mortes dos jovens.
Para acabar com tráfico é necessário acabar com a proibição de se vender ou comprar drogas. Os reacionários, isto é, aquelas pessoas que sempre reagem às mudanças por apego à tradição ou medo de que algo mude em sua cômoda posição de rico, apavorando-se ante tal possibilidade. O conservadorismo mumificado nestas pessoas rejeita o avanço das idéias novas. É uma luta inglória porque as inovações prevalecerão independentemente de todas as oposições. Os reis já foram considerados deuses. Constatada sua inutilidade, foram escorraçados. O mesmo destino terá a guerra contra as drogas. Será escorraçada assim que a obtusidade dos reacionários lhes permitir perceber sua ineficácia, ou quando eles forem substituídos pelos atuais jovens.
Além de acabar com a violência que vitima até pessoas inocentes, a legalização do comércio de drogas proporcionaria uma arrecadação de impostos que se bem usada (se a corrupção permitir) seria suficiente para montar hospitais de recuperação que certamente seriam procurados por jovens influenciados por uma eficiente campanha de esclarecimento.
A proibição interessa aos próprios traficantes. Eles sabem que ela não prejudica seus lucros fabulosos. É tanto dinheiro que nem se imagina. O tráfico de drogas movimenta fortunas equiparáveis às da indústria petrolífera e de armas. Sabem os donos deste comércio que a proibição não inibe o consumo e que o traficante sempre acha um jeito de entregar seu produto ao consumidor.
A proibição de bebida alcoólica nos Estados Unidos através da Lei Seca levou a uma violência que matou muitas pessoas e não conseguiu impedir o consumo de bebidas. Uisque era fabricado até dentro das residências. Revogada a lei, cessou a violência.

4 comentários:

  1. Olá, tudo jóia?! Aqui quem escreve é Mariana, filha de Olavo, quem me recomendou este blog. A princípio, parabéns pela iniciativa de escrever e também de provocar pensamentos! É deliciosa a sensação de saber que as palavras têm vida própria e ganham um outro contexto quando lidas e interpretadas por outras pessoas!
    Bom, sobre este texto especificamente, como vocÊ mesmo iniciou pedindo desculpas para a gramática, quem sou eu então para fazer alguma correção nesse sentindo! rs
    Pareceu-me que sua escrita saiu quase que em rompante. Bom, gostaria de dialogar sobre esse texto, seria mais produtivo, acredito. Se estievr disposto, claro! Meu msn é oliveiramariana@hotmail.com e meu blog é www.cronicaemmovimento.blogspot.com
    Para finalizar este comentário, lembrei-me enquanto lia de uma frase cuja autoria desconheço, porém a referência indica ser de origem romana :"Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar". Espero conversarmos em breve. Até.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Caro Zé Mario
    Gostei muito do texto sobre drogas.
    Gostaria de ressaltar que concordo plenamente com a ideia geral do texto, porém acredito sinceramente que as drogas não deveriam ser utilizadas, mas a realidade não é assim e temos que enfrentá-la na busca de uma melhor solução possível. Partindo desse ponto de vista se as drogas não podem ser simplesmente deletadas de nossa vida, se a experiência demostra que é impossível fiscalizar o comércio ilegal de drogas e impedir o seu consumo estas devem ser liberadas. Por que descriminalizar a compra e venda de narcóticos causaria um mal menor do que o mal causado atualmente com sua proibição.
    A proibição de substância ilícitas é a causa de uma violência urbana só comparável a guerras no oriente médio, na cidade do Rio de Janeiro por exemplo é fato que as pessoas mais pobres(faveladas) as mais excluídas por este sistema desumano são as que mais sofrem com violência gerada na guerra entre o Estado e o poder paralelo.
    Estas pessoas marginalizadas são vítimas de traficantes que mantém o seu poder simplesmente por que o comércio de drogas é muito lucrativo. Um pai de família que sem escolha vive na favela e vê o seu filho possivelmente até uma criança se tornando mão de obra (escrava) do narcotráfico e ele não pode fazer nada, por que nesta localidade a autoridade é o tráfico é o traficante.
    Na cidade de Vitória da Conquista e acredito não ser diferente em outros municípios 90% dos homicídios estão diretamente ligados ao tráfico de drogas.
    Retornando ao que anteriormente foi dito a descriminalização da venda e consumo de drogas é uma solução mais benéfica para a sociedade, pois acredito que cessaria desta forma a violência urbana gerada pelo conflito tráfico versus Estado pois a legalização irá extinguir o poder dos traficantes,e assim as drogas poderiam ser adquiridas em farmácias ou lojas especializadas.
    Os traficantes não teriam condições de concorrer com as grandes empresas capitalistas que optarem por investir no comercio de drogas.
    Só lembrando o que foi colocado no texto anterior é necessário que os meios de comunicação realize junto com a legalização uma campanha em todos os meios de comunicação e em locais como escolas,teatros praças etc uma forte campanha antidrogas e que a renda do comércio de drogas seja revestida no Sistema de Saúde para a construção de clínicas de recuperação.

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  4. Para comentar o comentário, gostaria de acrescentar que o Conselho de Psicologia e com certeza de algumas outras profissões estão apoiando a política de redução de danos, que é a política adotada na Holanda. As drogas sairíam do campo do ilícito e passariam a ter a mesma regulametnação que outras drogas psicoativas, porém de uso farmacêutico. A política de redução de danos viabiliza um uso que seja monitorado e a reabilitação. Acredito que o Brasil ainda está longe desta realidade porque há muito mais coisas envolvidas com o narcotráfico do que imaginamos, a começar por representantes políticos e empresários de grande porte. Enquanto a elite mantiver interesses econômicos no táfico, a política de redução de danos estará muito distante...

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