sábado, 26 de julho de 2014

ARENGA NÚMERO QUARENTA


Não creio absolutamente agora ter sido perda de tempo a decisão de dedicar minha velhice a uma atividade que transcende em muito a capacidade, mas que nem por isso me impede de por em prática ainda que aos trancos e barrancos a tentativa de conseguir incentivar em alguém a necessidade de despertar para a atividade de pensar. Este meu otimismo se baseia no comentário de um jovem empresário que se denomina Rogar Pensador nos seguintes termos: “Obrigado por existir, Zé Mário. Preciso de pessoas como você para minha formação mental. É de pessoas como você que esse país precisa”. Exageros à parte, a opinião do jovem é um grande estímulo por ser a única pessoa fora do meu círculo de amizade a concordar com a evidente necessidade de se despertar para outra realidade porque esta aqui fracassou de modo tão evidente que só não percebe quem não pensa. É um fracasso tão abrangente que envolve tanto o material quanto o espiritual. Se logo faltará a base da economia que move o mundo, o petróleo, junto com ele também se esvai a nobreza de sentimento. Dentro deste modelo fracassado, jamais terão as criancinhas rechonchudas de hoje o futuro almejado por seus pais. O poder conferido pela endeusada dinheirama do fracassado sistema capitalista não será poderoso o bastante para conter as infelicidades à vista, mas escondida pela insensatez, fazendo-se, pois, de grande importância, que não só o jovem empresário Rogar Pensador, eu e meus amigos, sejamos os únicos a seguir os ensinamentos dos Grandes Mestres do Saber que tanto valorizam a atividade de pensar.

Um instante de reflexão é suficiente para se perceber que toda esta festança desenfreada em que mergulha a juventude é coisa adredemente preparada para impedir o desenvolvimento mental, o que efetivamente conseguem com sucesso seus idealizadores. Não há nem pode haver em todo o universo uma só pessoa lúcida, dotada de alguma inteligência, e carente de assistência pública de saúde, que seja capaz de preferir uma festa à garantia de poder fazer seu exame médico quanto ele se fizer necessário, mas esse é o comportamento coletivo, fato que possibilita a percepção de haver algo estranho em tal comportamento. Se ninguém mentalmente saudável tem isoladamente determinado comportamento, mas o tem quando passa à coletividade, é por estar agindo coletivamente sob determinada influência que esta pessoa desconhece. Um pai que monta seu filhinho rechonchudo no cangote para curtir festejamento do futebola, ou é desprovido de qualquer inteligência ou está sob o efeito de algum convencimento que o leva àquele comportamento de não pensar que no futuro seu filho precisará fazer exame médico.

Como este modelo vem sendo seguido desde sempre, fica parecendo ser eterno, embora nada o seja, como ensina o velho Politzer no exemplo da rosa que acreditava ser eterno o jardineiro pelo fato de ser efêmera a vida daquela flor, de modo que ela via o jardineiro desde quando nasceu até quando morreu. Se a mudança é própria da natureza, nada mais justo do que mudar para outro modo de vida onde não haja necessidade de se andar saltando por cima de pedaços de cadáver. Vivemos um mundo tristemente desagradável em que as pessoas mais espiritualmente desclassificadas são as mais rapidamente elevadas aos píncaros da glória. Está aí a imprensa e o interesse do povo na notícia de que um jogador de futebola vai para a Europa com a namorada.  Enquanto isso, pessoas de muitas qualidades são ignoradas, quando não perseguidas. Tudo à nossa volta é um misto de confusão e infelicidade. A vida que as pessoas imaginam ser normal tem o mesmo frenesi a que está submetido quem faz parte de uma multidão querendo escapar de incêndio.

Entretanto, apesar de estar tudo errado, o que se houve é só lamentação ou escárnio em relação às autoridades por serem elas realmente responsáveis pela situação de calamidade pública em que se encontra nossa sociedade. É total o impasse para a superação deste estado de manada enquanto as autoridades responsáveis pelo desenvolvimento de sua sociedade temerem o desenvolvimento intelectual do povo, preferindo-o tão inculto quanto as ridículas “celebridades” e “famosos” que não sabem fazer um “O” com um copo. É das autoridades que emana o tal poder de convencimento que faz adulto se comportar como criança soltando bombas e requebrando os quadris.

É aqui que se encontra o X de todos os problemas que afligem a sociedade. O desenvolvimento alardeado como prova de eficiência administrativa, em vez de visar um ambiente social cada vez melhor, a realidade mostra o contrário.  As mudanças proporcionadas pelo tal de desenvolvimento são sempre para piorar o ambiente social. A milenar cultura de considerar o povo um detalhe incômodo e apenas suportável pela necessidade de carregar a mala dos ricos donos do mundo tem dado origem a situações de conflitos sangrentos que pipocam vez em quando, desnecessários porquanto não há desavença que a lucidez e a ponderação não resolvam sem criar desavença ainda maior.    

Não saber escrever é diferente de não saber pensar. A atividade de pensar é como a atividade de liderança. Pode ser aprendida, e é preciso aprender que nos olhos da alma da sociedade, a imprensa, as imagens refletidas só prometem desagregação social e suas consequências funestas. As recomendações vindas do mundo dos ricos donos do mundo aos responsáveis pela administração social, na realidade, tem para a sociedade o sentido contrário do recomendado. A notícia da morte do dono da construtora Odebrecht, por exemplo, também esclarece que ele transformou uma empresa falida em um império que se estende por vinte e três países. Este adendo funciona como convencimento de ser socialmente meritório o comportamento do Sr. Norberto Odebrecht, quando, na realidade, é prejudicial. A ninguém é dado desconhecer como agem as empreiteiras, e estão certos porque outra notícia, ao lado do título, traz também um adendo esclarecendo como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez ampararam-se no Estado para construir impérios que se estendem das obras públicas e telefonia à produção de sandálias havaianas. A cultura da construção de impérios não tem mais lugar, continuando apenas pela mesma ilusão de eternidade da rosa, mas precisa fazer parte dos pensamentos tanto dos despossuídos quanto dos possuidores dos impérios cuja construção deixa um rastro de infelicidade social e ódio contra a sociedade.

Continua a imprensa, a alma da sociedade, a apresentar fatos edificantes para o império da imoralidade social vigente sobre a qual se faz necessário pensar. É de causar pasmo a declaração do Sr. Paulo Maluf em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo no seguinte teor: “Sou hoje, em Brasília, um consultor de todos os deputados. Não vou desperdiçar essa experiência que Deus me deu”. É, ou não é de extrema necessidade pensar sobre o que se passa ao redor? Se os deputados consultam Maluf sobre as coisas que Deus lhe ensinou, o que aprenderão? Não há em lugar algum o desconhecimento das coisas que Deus teria ensinado ao Sr. Maluf. Não será esse aprendizado a causa de tanto choro pelaí? Inté. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário