Não creio absolutamente agora ter sido
perda de tempo a decisão de dedicar minha velhice a uma atividade que
transcende em muito a capacidade, mas que nem por isso me impede de por em
prática ainda que aos trancos e barrancos a tentativa de conseguir incentivar em
alguém a necessidade de despertar para a atividade de pensar. Este meu otimismo
se baseia no comentário de um jovem empresário que se denomina Rogar Pensador nos seguintes termos: “Obrigado por existir, Zé
Mário. Preciso de pessoas como você para minha formação mental. É de pessoas
como você que esse país precisa”. Exageros à parte, a opinião do jovem é um
grande estímulo por ser a única pessoa fora do meu círculo de amizade a
concordar com a evidente necessidade de se despertar para outra realidade
porque esta aqui fracassou de modo tão evidente que só não percebe quem não
pensa. É um fracasso tão abrangente que envolve tanto o material quanto o
espiritual. Se logo faltará a base da economia que move o mundo, o petróleo,
junto com ele também se esvai a nobreza de sentimento. Dentro deste modelo
fracassado, jamais terão as criancinhas rechonchudas de hoje o futuro almejado
por seus pais. O poder conferido pela endeusada dinheirama do fracassado
sistema capitalista não será poderoso o bastante para conter as infelicidades à
vista, mas escondida pela insensatez, fazendo-se, pois, de grande importância,
que não só o jovem empresário Rogar Pensador, eu e meus amigos, sejamos os
únicos a seguir os ensinamentos dos Grandes Mestres do Saber que tanto valorizam
a atividade de pensar.
Um instante de reflexão é suficiente
para se perceber que toda esta festança desenfreada em que mergulha a juventude
é coisa adredemente preparada para impedir o desenvolvimento mental, o que
efetivamente conseguem com sucesso seus idealizadores. Não há nem pode haver em
todo o universo uma só pessoa lúcida, dotada de alguma inteligência, e carente
de assistência pública de saúde, que seja capaz de preferir uma festa à
garantia de poder fazer seu exame médico quanto ele se fizer necessário, mas
esse é o comportamento coletivo, fato que possibilita a percepção de haver algo
estranho em tal comportamento. Se ninguém mentalmente saudável tem isoladamente
determinado comportamento, mas o tem quando passa à coletividade, é por estar
agindo coletivamente sob determinada influência que esta pessoa desconhece. Um
pai que monta seu filhinho rechonchudo no cangote para curtir festejamento do
futebola, ou é desprovido de qualquer inteligência ou está sob o efeito de
algum convencimento que o leva àquele comportamento de não pensar que no futuro
seu filho precisará fazer exame médico.
Como este modelo vem sendo seguido desde
sempre, fica parecendo ser eterno, embora nada o seja, como ensina o velho
Politzer no exemplo da rosa que acreditava ser eterno o jardineiro pelo fato de
ser efêmera a vida daquela flor, de modo que ela via o jardineiro desde quando
nasceu até quando morreu. Se a mudança é própria da natureza, nada mais justo
do que mudar para outro modo de vida onde não haja necessidade de se andar
saltando por cima de pedaços de cadáver. Vivemos um mundo tristemente
desagradável em que as pessoas mais espiritualmente desclassificadas são as
mais rapidamente elevadas aos píncaros da glória. Está aí a imprensa e o
interesse do povo na notícia de que um jogador de futebola vai para a Europa
com a namorada. Enquanto isso, pessoas
de muitas qualidades são ignoradas, quando não perseguidas. Tudo à nossa volta
é um misto de confusão e infelicidade. A vida que as pessoas imaginam ser
normal tem o mesmo frenesi a que está submetido quem faz parte de uma multidão
querendo escapar de incêndio.
Entretanto, apesar de estar tudo errado,
o que se houve é só lamentação ou escárnio em relação às autoridades por serem
elas realmente responsáveis pela situação de calamidade pública em que se
encontra nossa sociedade. É total o impasse para a superação deste estado de
manada enquanto as autoridades responsáveis pelo desenvolvimento de sua
sociedade temerem o desenvolvimento intelectual do povo, preferindo-o tão
inculto quanto as ridículas “celebridades” e “famosos” que não sabem fazer um
“O” com um copo. É das autoridades que emana o tal poder de convencimento que
faz adulto se comportar como criança soltando bombas e requebrando os quadris.
É aqui que se encontra o X de todos os
problemas que afligem a sociedade. O desenvolvimento alardeado como prova de
eficiência administrativa, em vez de visar um ambiente social cada vez melhor,
a realidade mostra o contrário. As
mudanças proporcionadas pelo tal de desenvolvimento são sempre para piorar o ambiente
social. A milenar cultura de considerar o povo um detalhe incômodo e apenas
suportável pela necessidade de carregar a mala dos ricos donos do mundo tem
dado origem a situações de conflitos sangrentos que pipocam vez em quando,
desnecessários porquanto não há desavença que a lucidez e a ponderação não
resolvam sem criar desavença ainda maior.
Não saber escrever é diferente de não
saber pensar. A atividade de pensar é como a atividade de liderança. Pode ser
aprendida, e é preciso aprender que nos olhos da alma da sociedade, a imprensa,
as imagens refletidas só prometem desagregação social e suas consequências
funestas. As recomendações vindas do mundo dos ricos donos do mundo aos
responsáveis pela administração social, na realidade, tem para a sociedade o
sentido contrário do recomendado. A notícia da morte do dono da construtora
Odebrecht, por exemplo, também esclarece que ele transformou uma empresa falida
em um império que se estende por vinte e três países. Este adendo funciona como
convencimento de ser socialmente meritório o comportamento do Sr. Norberto
Odebrecht, quando, na realidade, é prejudicial. A ninguém é dado desconhecer
como agem as empreiteiras, e estão certos porque outra notícia, ao lado do
título, traz também um adendo esclarecendo como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez
ampararam-se no Estado para construir impérios que se estendem das obras
públicas e telefonia à produção de sandálias havaianas. A cultura da construção
de impérios não tem mais lugar, continuando apenas pela mesma ilusão de eternidade
da rosa, mas precisa fazer parte dos pensamentos tanto dos despossuídos quanto
dos possuidores dos impérios cuja construção deixa um rastro de infelicidade
social e ódio contra a sociedade.
Continua a imprensa, a alma da sociedade, a apresentar
fatos edificantes para o império da imoralidade social vigente sobre a qual se
faz necessário pensar. É de causar pasmo a declaração do Sr. Paulo Maluf em
entrevista ao Jornal Folha de São Paulo no seguinte teor: “Sou hoje, em Brasília, um consultor de todos os deputados. Não vou
desperdiçar essa experiência que Deus me deu”. É, ou não é de extrema
necessidade pensar sobre o que se passa ao redor? Se os deputados consultam
Maluf sobre as coisas que Deus lhe ensinou, o que aprenderão? Não há em lugar
algum o desconhecimento das coisas que Deus teria ensinado ao Sr. Maluf. Não
será esse aprendizado a causa de tanto choro pelaí? Inté.
Nenhum comentário:
Postar um comentário