Pela manhã, é só decepção para quem
tem o hábito de procurar saber as notícias que a imprensa publica sobre a
sociedade. Elas trazem cada vez maiores dissabores para quem gostaria de viver de
modo diferente dos pequenos animais destinados a servir de pasto para animais
maiores nas selvas. Só estão a gosto nesse mundo pessoas obtusas cujas
necessidades se limitam à materialidade dos festejamentos, igrejas e riqueza, comportamento
proveniente de uma ignorância tão monumental que impede a estes biltres mentais
a percepção da triste realidade de se estar caminhando rumo ao nada uma vez que
a disposição física necessária para tais atividades tem prazo para acabar. Vive-se
a cultura da falsidade, do engodo e da desfaçatez. Duas reportagens no jornal
Folha de São Paulo de 03/12/2017, levam à conclusão da falência da cultura que
orienta a humanidade desde a formação dos grupos humanos e da instituição dos
governos pretensamente destinados a conter a brutalidade humana manifestada
através dos crimes. A primeira reportagem, intitulada SEGUNDO MAIOR NAUFRÁGIO
DO MUNDO AINDA ESCONDE SEGREDOS EM ILHABELA, conta que a monstruosidade humana causou
propositalmente o naufrágio do transatlântico Príncipe de Astúrias, matando por
afogamento 477 pessoas, para que fossem roubadas 11 toneladas de ouro. A
segunda reportagem, intitulada POLÍTICA ATRAPALHOU A LAVA JATO, DIZ
EX-PROCURADOR DA OPERAÇÃO NA SUÍÇA, deixa evidente o fracasso dos governos como
responsáveis pela contenção da barbaridade humana uma vez que as instituições
governamentais sendo comandadas por seres humanos também bárbaros, portanto
também criminosos, inviabiliza a execução dos fins a que se destinam os
governos. É o que deixa evidente a realidade materializada na violência que toma
conta do mundo por conta de ações criminosas praticadas pelos representantes
dos governos, posto que como seres humanos também são possuídos da barbárie
comum a todos os seres humanos como mostra este trecho da segunda reportagem de
que tratamos, comprovando ser o crime o verdadeiro interesse dos representantes
dos governos: “Stefan Lenz, o procurador
que comandava, até outubro do ano passado, as investigações da Lava Jato na
Suíça, responsabiliza a articulação de forças políticas nos dois países pelo
"fracasso nos esforços" para intensificar a cooperação bilateral. A
proposta de criar uma força-tarefa conjunta foi anunciada em março de 2016, mas
até hoje ainda depende de iniciativas do Ministério da Justiça brasileiro.
Lenz, que era conhecido como o "cérebro" da Lava Jato no país europeu,
declarou, em sua primeira entrevista ao Brasil desde que pediu demissão do
cargo, também haver ingerência nas investigações suíças”. Aí está, pois, a
dura realidade de ser o crime e a proteção a criminosos a ação tanto do governo
do submundo, o Brasil, quanto ao governo do primeiríssimo mundo, a Suíça. Assim,
uma vez que não se pode contar com os seres também bárbaros dos governos para
combater o barbarismo, fica a humanidade condenada a viver sob o império da
violência, do medo e da infelicidade enquanto não se dispuser a meditar sobre a
questão levantada pelo filósofo Thomas Paine há mais de duzentos anos de que o
sofrimento pode ser aliviado se os homens compreendessem os princípios do bom
governo. Como é impossível um bom governo na atual conjuntura, necessário se
faz trocar o que temos por algo que seja capaz de fazer com que os recursos
públicos tenham por destino o bem-estar social. É o mesmo Paine que afirma
também na página 27 do livro Senso Comum que o governo em seu pior estado é um
mal intolerável. Uma vez que todos os governos do mundo sempre estiveram em seu
pior estado, sendo portanto, um mal intolerável, é burrice das maiores
permanecer sofrendo de mal intolerável sem buscar a cura. Toda infelicidade
humana está na crença de ser possível estar bem num mundinho particular porque
a realidade é que ou estejamos todos bem ou ninguém estará bem.
É flagrante o descompasso entre como
se comporta o ser humano e como deve se comportar, realidade observada pelo filósofo
Martin Hollís na página 13 do livro Filosofia, Um Convite, ao afirmar que a
humanidade tem tentado compreender a natureza por razões outras que não aquelas
que procuram tornar a vida mais fácil e mais conveniente. Tanto isto é verdade
que os seres humanos ainda vivem sob a mesma escravidão mostrada na página 404
do livro História Geral e do Brasil, de Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo,
numa gravura que faz referência à situação da sociedade francesa por época da
grande revolução, e na qual consta um pobre camponês vergado sob o peso de um
representante da nobreza e outro do clero que carrega nas costas, do mesmo modo
como o asno leva sua carga e também do mesmo modo como os seres humanos arca
com o peso da vida faustosa de seus falsos líderes políticos e religiosos. A
submissão humana à servidão tem origem no tipo de educação engendrado pela
artimanha dos comandantes do mundo cuja finalidade é impedir o desenvolvimento
mental e espiritual. Paulo Freire, na página 32 de Pedagogia do Oprimido, diz
da necessidade de uma educação que leve os oprimidos à reflexão das causas da
opressão, o que nem de longe interessa aos opressores porque se as pessoas
ficarem esclarecidas a ponto de compreender que seu bem-estar depende da
política não concordariam com a estupidez de entregar a falsos líderes o
dinheiro de comprar educação, saúde e segurança.
Os seres humanos serão infelizes
enquanto se comportarem como criancinhas nos parques infantis, carentes de
condução, permanecendo como objeto da política sem dela participar. No livro
1808, Laurentino Gomes dá dois exemplos da dependência e necessidade imperiosa
que o povo tem dos governos. Na página 31, refere-se ao estado de abandono em
que se sentiu o povo português quando seu governo, para fugir de Napoleão
Bonaparte, protegido pela força naval da Inglaterra, deixou o país rumo à
colônia Brasil: “Seus habitantes ficaram
entregues aos interesses e à cobiça de qualquer aventureiro que tivesse força
para invadir suas cidades e assumir o trono”. Antes, na página 29, supõe o
Brasil na mesma situação de Portugal: “Imagine
que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia de que o
presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção de aviões
da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio,
todos os ministros, os integrantes dos tribunais superiores de Justiça, os
deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta
altura, tropas da argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no
Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os
seus dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear
toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle
do país por tempo indeterminado”. O que se conclui de tudo isto, é que a
humanidade ainda se encontra no mesmo barbarismo que levou Josué a passar a fio
de espada os habitantes de Jericó por ordem de Deus, os assírios a vazar os
olhos dos vencidos nas guerras, os espetáculos do Coliseu, os cinco mil
crucificados na Via Ápia. Não é sem razão que o filósofo Adrian Raine afirma na
página 11 do livro Anatomia da Violência estar o crime relacionado com as
forças das trevas de nosso passado evolutivo. Na verdade, em termos de
civilização, muito pouco avançamos. Tal realidade fica sobejamente constatada
na indiferença emocional dos criminosos do colarinho branco em relação a suas
pobres vítimas. Entretanto, a selvageria será abandonada a partir do momento em
que a atenção humana perceber o engodo do pão e circo e reconhecer haver apenas
insignificância nas vulgaridades dos “famosos” e das “celebridades”, voltando,
sensatamente sua atenção para assuntos dos quais depende seu bem-estar. Só
assim chegará a humanidade à conclusão de que o passado é indigno de seres que
podem pensar, conclusão que levará inevitavelmente a cuidar de promover um
futuro onde a tranquilidade supere a intranquilidade. Inté.
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