segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

ARENGA 461


Pela manhã, é só decepção para quem tem o hábito de procurar saber as notícias que a imprensa publica sobre a sociedade. Elas trazem cada vez maiores dissabores para quem gostaria de viver de modo diferente dos pequenos animais destinados a servir de pasto para animais maiores nas selvas. Só estão a gosto nesse mundo pessoas obtusas cujas necessidades se limitam à materialidade dos festejamentos, igrejas e riqueza, comportamento proveniente de uma ignorância tão monumental que impede a estes biltres mentais a percepção da triste realidade de se estar caminhando rumo ao nada uma vez que a disposição física necessária para tais atividades tem prazo para acabar. Vive-se a cultura da falsidade, do engodo e da desfaçatez. Duas reportagens no jornal Folha de São Paulo de 03/12/2017, levam à conclusão da falência da cultura que orienta a humanidade desde a formação dos grupos humanos e da instituição dos governos pretensamente destinados a conter a brutalidade humana manifestada através dos crimes. A primeira reportagem, intitulada SEGUNDO MAIOR NAUFRÁGIO DO MUNDO AINDA ESCONDE SEGREDOS EM ILHABELA, conta que a monstruosidade humana causou propositalmente o naufrágio do transatlântico Príncipe de Astúrias, matando por afogamento 477 pessoas, para que fossem roubadas 11 toneladas de ouro. A segunda reportagem, intitulada POLÍTICA ATRAPALHOU A LAVA JATO, DIZ EX-PROCURADOR DA OPERAÇÃO NA SUÍÇA, deixa evidente o fracasso dos governos como responsáveis pela contenção da barbaridade humana uma vez que as instituições governamentais sendo comandadas por seres humanos também bárbaros, portanto também criminosos, inviabiliza a execução dos fins a que se destinam os governos. É o que deixa evidente a realidade materializada na violência que toma conta do mundo por conta de ações criminosas praticadas pelos representantes dos governos, posto que como seres humanos também são possuídos da barbárie comum a todos os seres humanos como mostra este trecho da segunda reportagem de que tratamos, comprovando ser o crime o verdadeiro interesse dos representantes dos governos: “Stefan Lenz, o procurador que comandava, até outubro do ano passado, as investigações da Lava Jato na Suíça, responsabiliza a articulação de forças políticas nos dois países pelo "fracasso nos esforços" para intensificar a cooperação bilateral. A proposta de criar uma força-tarefa conjunta foi anunciada em março de 2016, mas até hoje ainda depende de iniciativas do Ministério da Justiça brasileiro. Lenz, que era conhecido como o "cérebro" da Lava Jato no país europeu, declarou, em sua primeira entrevista ao Brasil desde que pediu demissão do cargo, também haver ingerência nas investigações suíças”. Aí está, pois, a dura realidade de ser o crime e a proteção a criminosos a ação tanto do governo do submundo, o Brasil, quanto ao governo do primeiríssimo mundo, a Suíça. Assim, uma vez que não se pode contar com os seres também bárbaros dos governos para combater o barbarismo, fica a humanidade condenada a viver sob o império da violência, do medo e da infelicidade enquanto não se dispuser a meditar sobre a questão levantada pelo filósofo Thomas Paine há mais de duzentos anos de que o sofrimento pode ser aliviado se os homens compreendessem os princípios do bom governo. Como é impossível um bom governo na atual conjuntura, necessário se faz trocar o que temos por algo que seja capaz de fazer com que os recursos públicos tenham por destino o bem-estar social. É o mesmo Paine que afirma também na página 27 do livro Senso Comum que o governo em seu pior estado é um mal intolerável. Uma vez que todos os governos do mundo sempre estiveram em seu pior estado, sendo portanto, um mal intolerável, é burrice das maiores permanecer sofrendo de mal intolerável sem buscar a cura. Toda infelicidade humana está na crença de ser possível estar bem num mundinho particular porque a realidade é que ou estejamos todos bem ou ninguém estará bem.  

É flagrante o descompasso entre como se comporta o ser humano e como deve se comportar, realidade observada pelo filósofo Martin Hollís na página 13 do livro Filosofia, Um Convite, ao afirmar que a humanidade tem tentado compreender a natureza por razões outras que não aquelas que procuram tornar a vida mais fácil e mais conveniente. Tanto isto é verdade que os seres humanos ainda vivem sob a mesma escravidão mostrada na página 404 do livro História Geral e do Brasil, de Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, numa gravura que faz referência à situação da sociedade francesa por época da grande revolução, e na qual consta um pobre camponês vergado sob o peso de um representante da nobreza e outro do clero que carrega nas costas, do mesmo modo como o asno leva sua carga e também do mesmo modo como os seres humanos arca com o peso da vida faustosa de seus falsos líderes políticos e religiosos. A submissão humana à servidão tem origem no tipo de educação engendrado pela artimanha dos comandantes do mundo cuja finalidade é impedir o desenvolvimento mental e espiritual. Paulo Freire, na página 32 de Pedagogia do Oprimido, diz da necessidade de uma educação que leve os oprimidos à reflexão das causas da opressão, o que nem de longe interessa aos opressores porque se as pessoas ficarem esclarecidas a ponto de compreender que seu bem-estar depende da política não concordariam com a estupidez de entregar a falsos líderes o dinheiro de comprar educação, saúde e segurança.

Os seres humanos serão infelizes enquanto se comportarem como criancinhas nos parques infantis, carentes de condução, permanecendo como objeto da política sem dela participar. No livro 1808, Laurentino Gomes dá dois exemplos da dependência e necessidade imperiosa que o povo tem dos governos. Na página 31, refere-se ao estado de abandono em que se sentiu o povo português quando seu governo, para fugir de Napoleão Bonaparte, protegido pela força naval da Inglaterra, deixou o país rumo à colônia Brasil: “Seus habitantes ficaram entregues aos interesses e à cobiça de qualquer aventureiro que tivesse força para invadir suas cidades e assumir o trono”. Antes, na página 29, supõe o Brasil na mesma situação de Portugal: “Imagine que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia de que o presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção de aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os integrantes dos tribunais superiores de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os seus dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle do país por tempo indeterminado”. O que se conclui de tudo isto, é que a humanidade ainda se encontra no mesmo barbarismo que levou Josué a passar a fio de espada os habitantes de Jericó por ordem de Deus, os assírios a vazar os olhos dos vencidos nas guerras, os espetáculos do Coliseu, os cinco mil crucificados na Via Ápia. Não é sem razão que o filósofo Adrian Raine afirma na página 11 do livro Anatomia da Violência estar o crime relacionado com as forças das trevas de nosso passado evolutivo. Na verdade, em termos de civilização, muito pouco avançamos. Tal realidade fica sobejamente constatada na indiferença emocional dos criminosos do colarinho branco em relação a suas pobres vítimas. Entretanto, a selvageria será abandonada a partir do momento em que a atenção humana perceber o engodo do pão e circo e reconhecer haver apenas insignificância nas vulgaridades dos “famosos” e das “celebridades”, voltando, sensatamente sua atenção para assuntos dos quais depende seu bem-estar. Só assim chegará a humanidade à conclusão de que o passado é indigno de seres que podem pensar, conclusão que levará inevitavelmente a cuidar de promover um futuro onde a tranquilidade supere a intranquilidade. Inté.

 

 

 

 

   

 

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