quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

ARENGA 644

 

Com o Dilema do Trem, desocupados de atividades laborais levantaram uma questão que leva quem pensa a remoer dúvida desnecessária. Todo caso, em se tratando de seres humanos, é impossível não se deparar com bobagens tipo “penso, logo existo”, porque pedras não pensam e muitos dedões roxos pelaí afora dão provas de que elas existem.

No Dilema do Trem, um trem desgovernado esmagaria algumas pessoas atadas sobre os trilhos, mas que poderiam ser salvas se alguém num viaduto sobre a linha férrea empurrasse um homem muito gordo para que seu corpão parasse o trem antes de atingir o grupo. Apesar de merecer atenção de pensadores, isto não passa de grande bobagem porque se a natureza se encarrega de nos brindar com situações aflitivas, devem-se dispensar invencionices nesse sentido.

Entre goles de uísque no Aerobar, dizia alguém ter acontecido que entre três astronautas americanos, a pouca quantidade de combustível exigia o sacrifício de um deles, e da Terra veio um justo critério de escolha segundo o qual deveria sacrificar-se aquele que não soubesse responder a uma pergunta. Ao primeiro, perguntou o nome do presidente dos Estados Unidos. Ao segundo, o significado da sigla NASA. Ao terceiro, um negro, como soletrar o nome do ator Arnold Schwarzenegger. 

Se é justo o sacrifício de poucos para salvação de muitos, tal convenção está atualmente invertida se noventa e nove por cento da humanidade são sacrificados para assegurar vida regalada de um por cento de ricos perdulários que se assenhorearam do mundo. Segundo este texto na página 163 do magnífico livro Os Donos Do Mundo, há cerca de dois mil anos Santo Agostinho já denunciava esta injustiça na forma como se manifestam os poderosos na sociedade:

“Afastada a injustiça, que são, na verdade, os reinos senão grandes quadrilhas de ladrões? Que é que são, na verdade, as quadrilhas de ladrões senão pequenos reinos? Estas são bandos de gente que se submete ao comando de um chefe, que se vincula por um pacto social e reparte a presa segundo a lei por ela aceita. Se este mal for engrossando pela afluência de numerosos homens perdidos, a ponto de ocuparem territórios, constituírem sedes, ocuparem cidades e subjugarem povos arroga-se então abertamente o título de reino, título que lhe confere aos olhos de todos, não a renúncia à cupidez, mas a garantia da impunidade. Foi o que com finura e verdade respondeu a Alexandre Magno certo pirata que tinha sido aprisionado. De fato, quando o rei perguntou ao homem que lhe parecia infestar os mares, respondeu ele com franca audácia: “O mesmo que a ti parece isso de infestar todo o mundo; mas a mim, porque o faço com pequeno navio, chamam-me ladrão; e a ti porque o fazes com uma grande armada, chamam-te imperador”.

Não são, de fato, ladrões aqueles que sob diversos subterfúgios arrancam fortunas do povo? A Servidão Humana, título do livro de Somerset Maugham sobre o sofrimento de Philip está materializada na humanidade uma vez que ela é obrigada a servir a parasitas como mostra a contracapa do livro Escravidão Contemporânea, de Leonardo Sakamoto:

“A escravidão foi abolida no Brasil no século XIX. No entanto, todo ano, pessoas são traficadas, submetidas a condições desumanas de serviço e impedidas de romper a relação com o empregador. Não raro, sofrem ameaças que vão de torturas psicológicas a espancamento e assassinatos. Entre 1995 e 2019, mais de 54 mil pessoas foram encontradas em regime de escravidão em fazendas de gado, soja, algodão, café, laranja, batata e cana-de-açúcar, mas também em carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordéis, entre outras unidades produtivas no Brasil”.

Fora este tipo de escravidão, o que é o emprego senão uma escravidão tão sofisticada que é implorada por quem ainda não foi escravizado, o desempregado? É seu trabalho que produz a riqueza dos parasitas ricos donos do mundo tão estúpidos que na revista Forbes fazem figa a famintos brandindo montanhas de ouro nos narizes de desvalidos.

Se os escravistas são apenas um por cento da humanidade, e se está convencionado sacrificar a minoria em benefício da maioria, por que, não ser coerente com a convenção para reverter a situação e sacrificar os ricos donos do mundo a fim de que sua riqueza beneficie os noventa e nove por cento de não ricos e famintos? Afinal, este sacrifício não implica na vida, apenas nas contas dos infernos fiscais.

Se no mundo inteiro existem televisores em cada quarto das casas, salas de espera e logradouros públicos com Faustões, Sílvios Santos, Rodrigos Faro, BBBs Fazendas, Lucianos Huck, “famosos”, “celebridades” e reis de pau oco, recebendo imensas fortunas do povo, é exclusivamente para manter esse povo incapaz de refletir sobre sua condição de eternos hospedeiros de parasitas. 

  

 

 

 

 

 

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