Assusta a docilidade
com que os seres humanos se submetem a desmandos. Ou não dá o que pensar o fato
de haver pobreza se não precisa haver pobreza? A degradação política a ponto de
haver orçamento secreto, demonstrando claramente assombroso assalto ao erário
sob a mais completa indiferença pública é algo estarrecedor porque sendo do
erário que depende tudo, escola, saúde, segurança, educação e comida na mesa,
como ser indiferente ao desbaratamento da riqueza pública pela ratazana do banditismo
político?
O servir sem questionar constitui
objeto de estudo da parte de intelectuais que o denominam de servidão
voluntária. Mas como a atividade de pensar é a razão de ser deste cantinho de
pensar, o assunto é tratado aqui considerando não ser de vontade própria que alguém
se submete à servidão, visto ser da própria natureza o sentimento de liberdade.
Como afirmou mestre Rousseau no Contrato Social, todos nascem livres e a liberdade
lhes pertence. Renunciar a ela, conclui mestre Rousseau, é renunciar à própria
qualidade de homem. E, continua o mestre: apesar de ter nascido livre, por
alguma razão, o homem acaba perdendo à liberdade. Tais ponderações nos leva à
conclusão de que se renunciando à liberdade para se submeter às várias
modalidades de servidão, entre as quais a do emprego, o homem renuncia também à
condição de homem, logo, assemelha-se inevitavelmente ao burro-de-carroça. Tal
conclusão leva a outra: a possibilidade de estar aí a causa da infelicidade
humana visto que união de burros-de carroça não dá origem a sociedade na qual seres
humanos possam sentir-se bem. Como pensamento atrai pensamento, a partir daí se
conclui ser desperdício de tempo ater-se a problemas de fome, injustiça, excesso
de pobreza ao lado de excesso de riqueza, violência, doenças, miséria, inflação,
banditismo político, se tudo que há de errado se deve ao fato de tratar-se de reunião
de manada de burros-de-carroça e não de seres pensantes.
Não há vários problemas. Há apenas
um: desconhecer que tudo tem origem na incapacidade de racionar para que se
conclua haver necessidade de reconhecer a realidade de se viver de forma
totalmente adversa às exigências indispensáveis à vida comunitária porquanto vive
a humanidade dentro de uma cultura tão estúpida que segundo ela quem tem garras
maiores subjuga quem as tem menores. O que resulta desse destrambelhamento monumental
é haver na mesma sociedade quem tenha posses infinitamente mais do que precisa e quem nada tenha além de necessidades.
Nunca que poderá ter sucesso a
sociedade humana se estruturada sobre tais bases. Papagaios de microfone
esgoelam impropérios contra criminosos infinitamente menos danosos à sociedade do
que autores do crime de fomentar a ignorância responsável pelo demais crimes. Orientados
pelo instinto e não pela inteligência, como é natural no burro-de-carroça, os
responsáveis pela administração pública são orientados pela astúcia que só vai
até a obtenção da vantagem, diferentemente da inteligência que vai até as
consequências decorrentes da obtenção da vantagem. A história é farta em
demonstrar fatos trágicos por falta de planejamento inteligente o bastante para
reconhecer a realidade de não se poder viver em sociedade cuidando cada um de
interesses exclusivamente individuais, ignorando a existência da vida coletiva.
Usando de astúcia, engendrou-se uma tramoia
satânica tão maleficamente bem engendrada que embora servindo, acredita-se
estar sendo servido. O emprego materializa esta realidade. As imensas fortunas dos
Bezos e Hangs da vida, como demostrou o velho e sábio Marx, razão pela qual é odiado
pelos ajuntadores de riqueza, não obstante serem feitas pelos empregados, agradece-se
a deus quando se tem oportunidade de se tornar mais um dos construtores da
riqueza destes monstros de cuja boca escorre baba de dragão.
Vive-se tão alheio à realidade que um
trabalhador recebe mil reais para trabalhar um mês enquanto um jogador de bola
dá gorjeta de cem mil reais a uma garçonete sem que isso chame a atenção de ninguém.
É nesta indiferença que se encontra a fonte de onde brota a aceitação pacífica
do servilismo, cabendo, pois, em nome da racionalidade, superar o desinteresse
pela vida como única maneira de se alcançar a civilização verdadeira.
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