A fase mais
acentuada de burrice atinge o homem na juventude. Quando eu era jovem e aluno
interno no Colégio Alfredo Dutra, em Itapetinga, terra de agradáveis
lembranças, o diretor do colégio era um pastor chamado João Moreira, de saudosa
memória. Homem sincero, trabalhador e inteligente. Apesar de mulato, o pastor
era uma pessoa tão simples que passava a anos luz do pernosticismo próprio dos
mulatos. Não era raro encontrar ele de colher de pedreiro numa mão e, na outra,
um pedaço de tábua com um bolo de argamassa em cima. Certo dia fui convidado a
comparecer no lugar que chamávamos de Gabinete, um espaço independente da
Secretaria, onde ele aplicava inteligentes puxões morais de orelha. Cabreiro,
como todos que para lá eram chamados, ouvi dele que o cigarro atrapalhava meu
estudo e que a nicotina era tão perigoso veneno que interferia na função
cerebral. Burro como todo jovem, senti-me contrariado como haveria de se sentir
qualquer jovem burro em vez de me sentir despertado para a realidade.
Disfarçando o aborrecimento, expliquei prá ele que eu estava com notas baixas
apenas em latim e matemática, ao que ele disse do alto de sua sabedoria o que
eu não tinha capacidade de perceber do baixo da minha ignorância de jovem. Ele
disse simplesmente a grande verdade de que eram aquelas as matérias que mais
exigiam do raciocínio, o que, consequentemente, demandava funcionamento de um
cérebro não embotado pela nicotina. A natureza faz mais coisas desinteligentes do
que coisas inteligentes, como, por exemplo, quanto dá sabedoria ao velho e
disposição ao jovem. A disposição sem a sabedoria resulta no asno. A Sabedoria
sem a disposição num ambiente medíocre torna-se “prosa”. Daí a sabedoria
contida na expressão “Se o jovem soubesse e se o velho pudesse”. Esta frase
expressa a realidade de que um destes dois poderes anula o outro, grande
mancada, portanto, da natureza. O velho que tem a sabedoria nada pode fazer por
falta da disposição, enquanto que o jovem, que tem a disposição, desperdiça-a
em bobagens. Nem mesmo sabem o que é sociedade civilizada porque pensam ser uma
sociedade com muitos chopingues chiques, grandes supermercados, muitos carros e
barulho.
A juventude
tem perante a realidade da vida a mesma ignorância que me impedia o
convencimento da realidade que me era apresentada pelo meu mestre, alguém cujo
grau de inteligência e cultura se encontrava a anos luz daquele garoto que
ouvia tudo por obrigação, mas doido para estar longe dali, onde pudesse puxar
boas baforadas de “Continental” sem filtro.
A
ignorância é como fedor de sobaco. Ninguém sabe que tem, e é por isso que o
jovem se acha isento da necessidade de orientação, quando, na realidade, nada
sabe sobre os dois lugares aonde chegará: a velhice e a morte. Estas duas
certezas absolutas são encaradas pelos jovens como algo remoto que pode ser
postergado indefinidamente, comportamento do qual resultará em decepcionar-se
enormemente ao se ver na velhice e assombrar-se desnecessariamente ante a
realidade da morte. Mestre Schopenhauer ensina que se vai aos poucos perdendo
as qualidades, embotando os sentidos, perdendo os impulsos, até chegar a uma
situação de quase fantasma a se arrastar ou jogado num canto. Acredite ou não
acredite, dia chegará em que todos estarão lá. A energia que nos movimenta
acaba do mesmo modo como acaba a energia dos aparelhos de futucar. Assim
como é reconfortante o descanso quando se está ofegante, do mesmo modo acontece
quando acaba a energia que dá vitalidade, momento em que ocorre uma grande
vontade de estar em paz e descansar, razão pela qual a morte será aceita de bom
grado por quem aprendeu os ensinamentos dos Grandes Mestres do Saber, mas
rejeitada estúpida e inutilmente por quem viveu no mundo medíocre dos “famosos”
e das “celebridades”. Este desconhecimento é a causa do alto faturamento das
UTIs, dispensadas por quem se elevou espiritualmente como o poeta Ferreira
Gullar ao dizer à sua mulher que se ela o amava, deixasse-o partir em paz. Inté.
Nenhum comentário:
Postar um comentário