quinta-feira, 5 de setembro de 2013

CORONEL BELIZÁRIO FERRAZ DE OLIVEIRA


O nome do meu avô era Belizário Ferraz de Oliveira, mas era chamado como está no título, embora não fizesse parte de nenhuma instituição que usasse a denominação de coronel. Por que, então, era chamado assim? É porque era muito rico e possuía muitos e muitos e muitos hectares de terra. Tanta terra, que ao morrer, seus mais de dez filhos ficou cada um com uma fazenda razoável. Lembro de sua cabeça branca sobre a qual nunca faltava um boné, tal e qual acontece comigo agora. Também brancas estarão as cabeças das pessoas inocentes que procuram esconder a brancura da natureza pela pretura do veneno com o qual procuram inutilmente esconder a idade. Há 27 anos, quando eu era cinquentão, alguém me disse que eu ficaria dez anos mais novo se pintasse o cabelo. Este é um comportamento que ajuda o sofrimento na UTI do futuro como resultado da lenta, mas constante inoculação de veneno no corpo. A propaganda, arte de explorar a estupidez humana (frase não é minha) faz crer haver o bem onde há o mal. A notícia estampada na internete de não haver mulher feia, apenas haver mulher sem dinheiro para pagar um bom cirurgião plástico, acompanhada da sugestão para que conhecermos a mulher que mais fez cirurgias plásticas no mundo, esta da imagem,



é de uma falsidade que ultrapassa os limites do crime de propaganda enganosa considerando o resultado disso na velhice. A falsidade sugerida aos inocentes induz senhoras matronas a buscar a fonte da eterna juventude através do bisturi dos também inocentes médicos em busca de dinheiro. A hostilidade dos médicos mercenários educados no sistema capitalista contra os médicos educados no sistema socialista é exatamente porque os médicos socialistas aprenderam pelo sistema educacional do regime socialista só haver desvantagens para a sociedade nesse negócio idiota de acumular riqueza, como prova a infelicidade que campeia solta por este país de triste sorte e povo distante da realidade por pensar ser mais importante o futebola e o axé do que o futuro. O socialista não é socialista por ser um bom sujeito. Ele é socialista por ter aprendido que uma sociedade não dá certo se apenas alguns desfrutam do bem-estar conseguido com o produto do trabalho de todos.

A falta de prática em escrever que faz perder o rumo me desviou do assunto dos bruxos do bisturi que levam as pessoas a trilhar no sentido inverso a estrada do tempo e transformam as mulheres em verdadeiros monstros quando finalmente ocorrer a vitória final e implacável da invencível natureza.  

Antes disso, entretanto, eu falava do meu avô. Ele pegava no fundo de um grande baú um dinheiro que me dava, cujas cédulas nunca haviam sido dobradas anteriormente. Apesar de ser rico, meu avô nunca roubou ninguém. As riquezas atuais são feitas através de falcatruas e canalhices de todo tipo com os politiqueiros, como prova o relacionamento promíscuo do governo de Lula e Eike Batista, do qual resultou imensa fortuna para a família do canceroso pau-de-arara e outra para o malabarista escroque da petrolífera OGX. A riqueza de vovô, ao contrário, era proveniente do trabalho nas terras que não foram usurpadas, roubadas, ao estilo do romance São Bernardo de Graciliano Ramos. Foram adquiridas porque meu avô era muito macho e penetrou mata adentro no tempo em que onça havia de montão, e mediu terras até então de propriedade do Estado, mas que nada rendiam prá ninguém. Depois de trabalhar estas terras elas renderam impostos e carne para alimentação de muita gente.
Meu avô não era desses coronéis que o governo americano contratou para defender seus interesses nefastos como aqueles que usavam imensos óculos escuros para esconder sua sordidez e maldade refletidas em seus olhos de mostro que entorpecia jovens idealistas e os empurravam de helicópteros ao mar para serem comidos por peixes. Os grandes óculos escuros escondiam a maldade porque eles refletem o ânimo de bondade ou de ruindade. É por isso que as poucas pessoas inteligentes que existem afirmam serem os olhos o espelho da alma.
Meu avô, não! Seus óculos eram brancos e refletiam bondade. Inteligente que era, lia muito e entendia de medicina. Examinava pessoas pobres doentes com um estetoscópio que nunca dependurava no pescoço como fazem os médicos ajuntadores de dinheiro para pavonear-se pelo fato de ser médico vestido de branco pelas ruas. Certa vez em conversa de boteco com um médico tão inocente quanto a manada, eu dizia que o livre arbítrio só dá aos pobres a opção de ser trabalhador ou ladrão. Como todo inocente, respondeu que não. Que o pobre podia também ser um médico, como se o médico não fosse também um trabalhador. A maioria deles trabalha para ajudar os donos dos planos de saúde a juntar riqueza. Os que não se incluem na categoria de escravo dos planos de saúde escravizam-se a si mesmos permanecendo o dia, a semana, o mês e o ano afundado em ambientes doentios onde o ar não é natural, com a obrigação de examinar doentes e juntar dinheiro.
Mas, cadê a prosa sobre meu saudoso avô? Ele me examinou quando eu era menino e sofria de asma, entregando a minha mãe uma solução que recomendou tomar apenas uma colher de sopa por dia. Não posso garantir que foi isso ou a idade. O certo é que decorrido algum tempo a asma sumiu e até hoje quando já estou velho a maldita não mais deu a cara. Como nunca consegui enfrentar esta vida sem sentido de cara limpa, a bebida alcoólica me ajudava a vê-la um pouco melhor. Porém, como toda droga danifica o organismo, passei a me sentir muito mal quando bebia. Assim, quando a bebida passou a me causar grande mal-estar, deixei-a de lado passei a fumar maconha. A princípio, era total maravilha porque não dava ressaca e me apaziguava minha alma nos momentos inexplicavelmente desagradáveis. Como não se pode usar drogas impunemente, alguns anos depois me apareceu uma tosse e um leve ronco ao respirar que lembrava a antiga asma. Procurei o médico de pulmão (cuja especialidade, devido à origem da palavra pulmão, tem o nome parecido com a profissão de quem trabalha com pneus) e fiquei surpreso ao ouvir do doutor que meus pulmões eram mais possantes do que os dele que eram cerca de trinta anos mais jovens do que os meus. Também me disse que a irritação provinha da fumaça dos cigarros, mas continuei fumando. Mas, como a droga tem alto preço de saúde, me apareceu um irritante pigarro que o médico de garganta me disse provir mais da queima do papel do que da erva. Pensando poder burlar, passei a fumar em cachimbo. Tinha quatro deles e os mantinha rigorosamente limpos com acetona porque o mel preto proveniente da queima da erva era tão grudento que não soltava facilmente. É fácil imaginar o estrago daquela cola grudunhada nos pulmões dos jovens. Estes não devem se meter com drogas porque ainda tem muito tempo pela frente e devem evitá-las porque elas os levarão a uma velhice infeliz. Procurei mostrar isso aos jovens num arremedo de livro chamado A Inferioridade do Brasileiro, dizendo-lhes ser burrice o jovem fumar maconha ou usar qualquer tipo de droga. Quis mostrar a eles que a maconha ajuda o velho nas tristezas, coisa que não acontece com o jovem porque sua ingenuidade o faz viver uma eterna festa. Além disso, também quis mostrar-lhes o perigo de se buscar sensações mais fortes e perder o controle sobre sua vida, coisa que não acontece com o velho. Depois de fumar maconha por dezesseis anos e ter tido como recompensa além dos incômodos citados, também ganhei uma bronca no estômago. Convencido de não valer a pena, simplesmente abandonei completamente o hábito. Nenhum jovem jamais conseguirá fazer isto.
Novamente a tergiversação me desvia da lembrança do meu avô. Certa vez, ao ouvir um elogio rasgado de um deputado que viajara trinta quilômetros a cavalo, a partir da cidade de Itambé até a fazenda, meu avô apontou para um trabalhador que consertava os arreios estragados e lhe disse: “O senhor estaria dizendo isso para aquele trabalhador se ele fosse dono das minhas vacas”. Assim era o temperamento sincero do meu avô.
Morreu de uma estranha queda durante a madrugada. Para a manada, uma perda irreparável e que descanse em paz, como se algo pudesse conturbar o sono eterno que proporciona a grande vantagem de sair do meio de nunca mais ouvir falar em Lula, Dilma, Sarney, Calheiros, etc., etc.
Inté outra prosa.
  

6 comentários:

  1. “Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

    Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

    — O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

    — O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

    Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.

    O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

    O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.

    Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.

    Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

    Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

    — Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

    — Claro! O que deu em você?

    — É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

    Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

    — Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?

    — Sim.

    — E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

    — Exatamente. O senhor entendeu?

    — Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”

    (Saulo Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª reimpressão, 2007)

    ResponderExcluir
  2. Olá gostei bastante dessa historia, já que, Belisário Ferraz é o meu bisavô. Gostaria de entrar em contato com você autor.

    ResponderExcluir
  3. Olá gostei bastante dessa historia, já que, Belisário Ferraz é o meu bisavô. Gostaria de entrar em contato com você autor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Desculpe o atraso, primo. É que não costumo ler os comentários. Você pode se comunicar comigo por Zebrabo@Yahoo.com.br

      Excluir
  4. Muito interessante essa história. Não sei se você sabe, mas em um povoado De São Felipe ele fez uma grande reforma em 1948 em uma igreja que estão enterrados seus pais, estou fazendo um trabalho escolar a respeito disso. Você tem alguma foto de seu vo ou algum desenho dele?

    ResponderExcluir
  5. Olha, primo, só agora volto aos comentários, pretendo ser menos ausente. Percebo ter errado o e-mail Zebrabo36@yahoo.com.br

    ResponderExcluir