Embora só
se chegue a esta conclusão depois de passada a fase eufórica das frivolidades próprias
da juventude, mas a verdade é que aos poucos os sonhos vão dando lugar à
realidade, e de decepção em decepção a alegria que parecia eterna vai
diminuindo sob o ataque impiedoso do desgaste natural do qual absolutamente
nada escapa, até restar, como diz Schopenhauer, apenas uma sombra de tudo
aquilo que se foi. Uma espiada nas UTIs é a melhor maneira de se constatar esta
realidade que, entretanto, só é motivo de desespero para quem passa a vida tão
preocupado em ajuntar riqueza que nem tem tempo para se elevar espiritualmente.
Quem prestou atenção nos ensinamentos dos Grandes Mestres do Saber aprendeu que
o vigor físico, como o solado dos sapatos, também vai se desgastando durante a
execução da tarefa de viver, o que não deve ser motivo de revolta porque a
revolta dá origem à ansiedade que só faz acrescentar novos sofrimentos aos que
já existem. À medida que se consome o vigor físico, vão aparecendo desconfortos
que se tornam sofrimentos ainda maiores para os desprovidos de qualquer outro
conhecimento fora da atividade de ajuntar riqueza e não considerar as outras
pessoas à volta. O que os frequentadores de igreja, axé e futebola acreditam
tratar-se de pecado, nada mais é do que o triste resultado de se viver isolado
e indiferente à necessária comunhão que deve existir entre absolutamente todos
os seres humanos, sem distinção de um só deles. Mas, se os sofrimentos fazem
parte da tarefa de viver, sendo, portanto, inevitáveis, nem por isso precisam
existir em tamanha quantidade e nem na intensidade que existem. Observando o
comportamento dos seres irracionais, percebe-se serem eles menos infelizes que
os seres humanos, o que se deve ao fato de não terem ainda estes percebido que
a natureza os diferenciou daqueles com a capacidade de raciocinar, que se usada
adequadamente faria com que o ser humano contornasse os sofrimentos que os
atormentam em vez de padecê-los mais do que padecem os bichos que curtem
melhores momentos de paz porque só sentem medo quando em iminente perigo, ao
passo que o ser humano vive eternamente atormentado por todo tipo de medo, o
que se deve à tenaz resistência em evoluir espiritualmente, permanecendo no
mesmo barbarismo dos tempos de bicho, quando havia necessidade de matar o
semelhante, cultura bárbara que ainda é transmitida de geração a geração. Nossa
história dá maior valor a líderes de matança do que aos líderes pacifistas, o
que equivale a considerar os destruidores da paz em detrimento daqueles que
perceberam a possibilidade de virem os seres humanos a desfrutar do bem-estar
que cada um busca para si, mas que só pode existir se for para todos,
realização que estará longe de ser alcançada enquanto apenas um por cento dos
humanos condenarem noventa e nove por cento deles a viver com apenas um por
cento da riqueza do mundo. Se materialmente ainda somos tão semelhantes aos
bichos que também precisamos matar para viver, o fato de causar mal-estar este
procedimento realmente bárbaro dá mostras de algum tipo de finura de
comportamento que precisa ser cultivado e aprimorado a fim de se engendrar uma
forma de vida condizente com a dignidade que merece ter o ser humano.
Toda infelicidade
do mundo resulta da educação deturpada que se dá às crianças. Na página 370 do
livro História da Raça Humana, o historiador Henry Thomas conta que à criança
francesa que viria a ser o rei Luís XIV foi dada uma educação voltada
exclusivamente para a violência, armas, desprezo pelos seres humanos e uma
convicção de superioridade tão grande que veio depois a se intitular a si
próprio de Rei-Sol, tal era sua arrogância. Como não falta puxa-saco em torno
de quem exerce poder, também conta o historiador que Luís Bertrand biografou o
rei Luís XIV como “o mais divino tipo de
homem jamais produzido na França, porque sua vida inteira foi gasta na produção
da guerra”. Não deixa de ser interessante a menção que faz o historiador
sobre o fato de apesar da petulância, desperdício dos recursos públicos e a
monumental imponência perdulária, o catolicíssimo Rei-Sol lavava os pés de doze
pobres toda sex-feira santa, idiotice que ainda é praticada pelo Papa, o que se
deve à recusa em se evoluir mentalmente o necessário para que seja encarada a
vida com a sinceridade que ela exige porque em termos de qualidade da vida social a ninguém é dado o direito de
encontrar algum resultado prático no fato ridículo de se beijar o pé de alguém.
Nosso passado de insanidade, destruição e a crueldade das matanças para buscar
riqueza ou para agradar Deus, brutalidades que a história registra nas guerras
para construção dos impérios, na Reforma Religiosa, nas Cruzadas e na
Inquisição, esta realidade nua e crua chega a dar a impressão de ter sido a
história da humanidade escrita por algum comunista safado ou por um ateu igualmente safado para denegrir a imagem de Deus e dos ricos adeptos da doutrina que prega o primeiro eu e os outros que se
danem, defendida pelo modo brutal de administrar a riqueza do mundo para fazer
mais riqueza e não para preservar a vida e construir paz, harmonia e bem-estar,
como realmente deve ser, mas que só será quando houver uma juventude que não
leve para casa um zero do Enem. Inté.
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