sexta-feira, 17 de junho de 2016

ARENGA 276



O hábito de acatar o que se houve sem examinar sua conveniência, e, principalmente, sua inconveniência não deve ser encarado com tanta tranquilidade. O horroroso massacre na boate de Paris estava sendo noticiado por um papagaio de microfone que, em seguida, passou a falar naturalmente de futebola. Isto não dá o quê pensar? A morte só não deve ser motivo de assombro quando é natural. Por assassinato, ainda mais naquelas condições, deve ser assunto para merecer muita reflexão a respeito. Entretanto, graças à cultura do individualismo, o papagaio de microfone mistura um acontecimento tão escabroso e tristonho com a brincadeira do futebola. Não deve ser assim. Como disse Hemingway em Por Quem os Sinos Dobram, morre um pouco de cada um a cada vez que morre um. Como pode o ser humano ser indiferente ao sofrimento de outro ser humano? Na fazenda onde nasci e me criei, quando se abatia uma rês para nosso consumo, várias outras rezes se ajuntavam no lugar do abate e tinham um comportamento estranho como se estivessem a lamentar a morte do outro animal. Por que será, então, que para um ser humano a morte de outro ser humano só afeta se houver laço afetivo? Se os seres humanos substituíssem a preocupação e o tempo gasto em saber como foi feito o universo, qual a origem do homem e qual será o seu fim, dedicando esse tempo buscando saber a causa da miséria e o motivo pelo qual os momentos infelizes são mais frequentes do que os momentos felizes, o mundo seria melhor do que é porque as aflições decorrem unicamente da indiferença com tais assuntos. Apesar de decorrido tanto tempo desde que ficou de pé, a espiritualidade no ser humano permanece em tempos ainda bárbaros quando matar fazia parte do cotidiano. O que produz no povo sensação de bem-estar são coisas tão estúpidas quanto a reclamação de alguém sobre uma transmissão de corrida de carros que não lhe permitia ouvir bem o ronco das Ferraris. Pior de tudo é que tal mentalidade não é algo isolado. A genialidade de Platão, através do Mito da Caverna, mostrou o quanto é difícil fazer o povo perceber a realidade da vida. Talvez seja mais fácil fazer um jumento escrever uma carta do que convencer seres mendigos de espiritualidade da realidade de viverem num mundo de fantasias infantis. Em conversa, eu disse a um espécime da espécie povo que os ateus são pessoas convictas de que o bem-estar social depende apenas de uma administração pública correta, de modo que se todas as pessoas do mundo pensassem e agissem assim, a vida seria melhor. Como a palavra “ateu” foi mencionada, o perfeito exemplar de povo deu um risinho irônico e disse “SERÁ?”. Como pode alguém ter dúvida de resultar em bem-estar social uma administração pública sadia que não permitisse a devastação da natureza e a existência de desprovidos de dignidade? Pois, apesar disso, para o bicho povo, a paz ou o bem-estar só pode ser alcançada por intervenção divina. Entretanto, a depender disto aí, é como se diz pelaí ESPERE SENTADO! Inté.

 


 

 

 

 

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