De curto
conhecimento, não sei se alguém disse antes o que disse Rui Barbosa ao afirmar ser
a ignorância a causa de todos os males que afligem a humanidade. Pela
quantidade de males, dá para perceber o tamanho da ignorância em que mergulha humanidade.
Olhando prá ela de cá do alto do décimo andar, veem-se coisas do arco da velha.
Ali, por exemplo, estão homens se internando num hospital, ocupando a vaga de
doentes, apenas para que aparelhos eletrônicos produzam em seu corpo a mesma
dor que a fêmea sente para nos trazer ao mundo. Mais adiante, constata-se ainda
existir reis no século vinte e um, e um povo aplaudindo um nobre príncipe que
depois de tomar umas e outras comprou o boteco onde ficou de fogo. Acolá
podemos ver multidões encantadas com outros idiotas que passam raspando seus
narizes dirigindo a trezentos quilômetros por hora, e outras multidões com a
cara para cima onde aviões fumacentos passam zunindo sobre suas cabeças vazias,
enquanto outras multidões vibram com a sena macabra de dois indivíduos se
destruindo mutuamente como faziam os gladiadores, resultando disso que muitos
homens ainda em idade produtiva são inutilizados em consequência das bordoadas
que levou no escutador de novela. Pode-se ver também a produção de alimentos ser
transformada em negócios e negociatas envolvendo um tal de agribiuzinesse e o
BNDES, cujo resultado é produzir mais riqueza do que a comida que, apesar de
ser muita, é envenenada. Ali à direita, estão pais orientando os filhos para
que eles se chicoteiem até sangrar seus corpinhos ainda em formação para com
isso agradar a seu Deus. Também pode ser vista com horror uma sociedade cujas
famílias incentivam suas filhas à ingressarem nas várias formas de prostituição
milionária que inclui leilão de xoxota e programas como BBB e Fazenda. Mais à
esquerda, vemos uma riqueza fabulosa, suficiente para acabar com a miséria no
mundo, desperdiçada na construção de caríssimos e monumentais templos
religiosos e uma plêiade incontável de parasitas assalariados para representar
os problemas dos povos nos tribunais celestes e transformar em santos a
lembrança de pessoas que doaram sua vitalidade à prática inútil da caridade que
só beneficia aos que embolsam o dinheiro de evitar a necessidade de caridade.
Mais pracolá, vê-se um país chamado América no Norte, onde vive um povo tão
apegado com seu Deus que declara sua fé nas cédulas do dinheiro pelo qual
devota o mesmo apego, mas que, ao mesmo tempo, joga bombas sobre criancinhas e
as dilacera para tomar o dinheiro de seus pais. Já daquele outro lado, está um povo
esquisito com rudia de pano na cabeça, liderado por homens que arrebanharam só
para si todo o dinheiro do petróleo da região, e como não sabem o que fazer com
tanto dinheiro, estão fazendo edifícios usando o próprio dinheiro como material
de construção, deixando prá trás o rei Salomão que construiu usando o suor de
escravo. Há, bem mais ali, um negócio chamado Economia Política que é a maior
safadeza do mundo. É um troço de tamanha malandragem que aproveita a
necessidade que todo mundo tem de adquirir alguma coisa, para forçar todo mundo
a adquirir muito mais coisas do que realmente necessita, o que é uma grande
perversidade fazer de bobo quem poderia ser sábio sem a indução maligna de
inumeráveis papagaios papagaiando através de microfones cujo barulho lá nos
auto-falantes conduz as pessoas para as lojas também barulhentas, do mesmo modo
como o berrante conduz a manada. Enfim, é tão triste o que se vê lá embaixo que
vou fechar a janela. Pior é que tem tudo na televisão. Felizmente, também tem
programas sobre os bichos, cujo comportamento demonstra ser menos bobo e sem
sentido do que o comportamento dos humanos, e, além disso, também temos o
Alienista prá reler.
Se tanto se
fala em tranquilidade, por que há tanta intranquilidade no mundo? Por duas
razões apenas: Uma é que a humanidade está dividida em duas espécies de seres
humanos cada uma delas portando um defeito hereditário que induz a dois
comportamentos ambos incompatíveis com a existência de uma sociedade agradável.
Estes dois comportamentos são os únicos responsáveis pelas coisas estúpidas que
espiamos lá de cima pela janela. Sendo um desses comportamentos orientado pela religiosidade,
impossibilita o conhecimento necessário de sociabilidade porque o religioso
nada sabe além de religiosidade e a religiosidade, que é unha e carne com a
política, ensina não haver necessidade de elevar a mente à capacidade de pensar
e raciocinar que é para moldar o comportamento que faz acreditar ser a vida uma
eterna festa promovida por “celebridades” e “famosos”, resultando naquelas coisas
vistas lá da janela.
Sendo o
comportamento da categoria que integra a segunda parte da humanidade orientado
pela usura, fica, do mesmo modo, impossibilitada a criação de uma sociedade
agradável porque os usurários só aprendem as coisas relacionadas ao ajuntamento
de dinheiro, o que demonstra ser o comportamento do usurário, como o do
religioso, também incompatível com uma sociedade agradável. Ao contrário, a
prática anti-social de acumular riqueza, objetivo único do avaro, prejudica a
sociedade porque a riqueza guardada lá dentro falta cá fora.
O
desconhecimento do comportamento adequado para se viver bem em sociedade, presente
nas duas espécies de gente que integram a humanidade, portanto, são a
ignorância sentenciada por Rui Barbosa. Dá-se o nome de ignorância à falta do conhecimento
sobre determinado fato em virtude da falta de oportunidade de contato com o
aprendizado daquele fato. É como o sujeito que chega numa cidade pela primeira
vez e ignora tudo por lá. Desse modo, tanto o avarento quanto o religioso, qualidades
negativas encontradas muitas vezes na mesma pessoa, ignoram completamente os
procedimentos dos quais resultam uma sociedade agradável, uma vez que sua mente
foi educada exclusivamente para acreditar que apenas a riqueza e a religião são
importantes na vida, vivendo assim num mundo de enganosa e perigosa fantasia.
Os avaros
impossibilitam a paz social quando retém em seu poder uma riqueza infinitamente
maior do que o necessário para se viver bem. Esta riqueza vai fazer falta em
outro lugar. Do mesmo modo, também os religiosos impedem a paz social porque
são convencidos da desnecessidade de analisar as informações recebidas,
reduzindo a nada a função do raciocínio diretamente ligada à elevação
espiritual sem a qual não se passa de bicho. Espero ainda ter tempo de abrir a
janela e ver a pensar as pessoas com aqueles comportamentos desastrosos. Custa
nada sonhar, Né não? Inté.
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