Esse
negócio de corrupção ser culpa da ignorância que impede o povo de saber votar é
só meia verdade. A verdade inteira demanda alguns devorteios arengatórios para
se chegar até onde ela está. É verdade que a corrupção surgiu por culpa exclusiva
da ignorância do povo, mas não por não saber votar porque na época em que
surgiu a corrupção ainda não existia esse misto de “sabedoria” e burrice ao
mesmo tempo, que é o ato de votar. A história da corrupção começou algum tempo
depois da formação de agrupamentos humanos. Todo mundo sabe que os seres
humanos viviam separados uns dos outros, salvo quanto à exigência da
sexualidade que obriga o macho e a fêmea a se procurarem a fim de aumentar sua
espécie fazendo filhos que sobreviviam unicamente graças ao instinto materno de
defender sua cria, exigência que a natureza fez a todas as fêmeas de todas as
espécies de bichos. Quando se ajuntou a esta proteção instintiva, outras
proteções oriundas da atividade cerebral e das vantagens do agrupamento, passou
a sobreviver maior número da filharada dos bichos humanos, ao contrário do tempo
em que viviam isolados, tempo em que sobreviver era exceção. Resultou um aumento
de bichos humanos tão grande que tornou a vida grupal numa confusão dos diabos
graças ao instinto individual do tempo do isolamento que continuou atuando. Embora
os bichos humanos não mais se encontrassem isolados, o antigo costume de estar
se prevenindo contra a falta de comida permaneceu fazendo parte do
comportamento, o que dava origem a um total desrespeito aos outros bichos
humanos do grupo.
Como viver em grupo agindo como se não
existissem as outras pessoas não pode dar certo nunca, a convivência se tornava
inviável graças aos atropelamentos, as brigas, a desunião e a ignorância que
levava e ainda leva até hoje o mais forte fisicamente a empregar a força bruta
como vantagem sobre o mais fraco, coisa comum num ambiente de feras. Daí que
foi necessário inventar um meio de aparar as asas da conturbação. Que fazer?
Matutaram até descobriram um meio: Separaram alguns dos bichos humanos que
passaram a exercer uma atividade nova e especial que era impor ordem e evitar
as confusões. Uma espécie embrionária de fiscalização quanto à observação das
normas estabelecidas pelo grupo.
Entretanto,
como impor ordem a um grupo não é tarefa fácil, como sabem os professores e as
professoras de crianças, porquanto o comportamento das crianças difere muito
pouco do comportamento dos adultos, vez que ambos promovem ações desastrosas.
Aqueles bichos humanos selecionados para exercer autoridade, entretanto, fracassaram
em sua missão. Nem podia ser de outra forma. Se a maioria absoluta dos bichos
humanos até hoje ainda tem um pé lá no tempo da individualidade primitiva, e
sua índole de bicho ainda produz comportamentos estúpidos de todos os tipos
contra tudo e contra todos, inclusive contra si mesmo, se até o presente
continua sendo impossível haver ordem, fica mais fácil entender a
impossibilidade que impediu o trabalho das primeiras autoridades. Elas
começaram a executar o trabalho de proteger a sociedade com a maior boa
intenção do mundo, mas logo chegaram à conclusão de ser impossível ter um grupo
organizado formado por bichos humanos. Constataram serem estes ainda mais
brutos que as outras espécies de bichos na natureza e concluíram ser impossível
amestrar bichos humanos uma vez que eles são como as hienas. Também o riso dos
bichos humanos, em virtude de haver tanto sofrimento no mundo, não tem ainda
razão de ser.
A fim de
que pudessem dedicar seu tempo trabalhando em benefício do grupo, nada mais
justo que recompensar as pessoas escolhidas para cuidar do grupo. Ao lado
disso, também se veio a constatar a realidade de haver outras despesas a fazer
para a manutenção da ordem. Os reparos dos estragos provenientes de uma
desavença que resultasse em feridos ou mortos exigiam gastos não só para
reparar feridas e fraturas, mas também para reparar prejuízos patrimoniais e
sustentar presidiários e familiares. As autoridades foram aos poucos se
convencendo ser um grande desperdício gastar tanto dinheiro para concertar
coisas que os bichos humanos voltavam a quebrar. Isto foi lhes enchendo tanto o
saco que resolveram ficar com aquela grana em vez de desperdiçá-la. Daí é que
começou a corrupção. Unicamente por uma causa: Falta de espiritualidade
suficiente para cultivar um sentimento de sociabilidade que amainasse a
animalidade que integra a personalidade humana uma vez que ele já foi bicho
também, situação que parece querer perpetuar. Absolutamente corretos os que
afirmaram ser a ignorância a causa dos males do mundo. Que tal sair dessa?
Inté.
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