quinta-feira, 19 de junho de 2014

ARENGA TRINTA E SEIS


Todo prazer tem um custo. Embora eu não saiba muito bem o que isto quer dizer, soa bonito e serve para fazer pose. Além disso, já ouvi dizer que vale a pena medir as consequências antes de satisfazer um desejo porque pode ser que as consequências decorrentes do gozo desfrutado podem trazer dissabores que anulam qualquer vantagem obtida. Esta ponderação, se exagerada, resultaria em que uns e outros pelaí teriam de resolver na mão o que gostariam de resolver de um jeito do qual pudesse ter como consequência numa criança para encher o saco de tanto comer, cagar e gritar, podendo até resultar em cadeia se faltar a pensão.  É por isso que vale a pena medir o preço antes de comprar porque tudo tem realmente um custo a ser pago, até mesmo a única coisa a nos colocar em superioridade às outras espécies animais, a capacidade de pensar.

 Por acaso, alguém pelaí já esteve na situação de querer avisar alguém de algo que esse alguém não pode perceber, mas que lhe vai ser desagradável? Quando o aviso evitar o transtorno para o avisado, é gratificante para o avisante vez que se trata de alguém cuja espiritualidade o faz tão solidário aos outros seres humanos que é capaz de sentir mal-estar com o problema alheio. Certa vez em Salvador, no antigo cinema Guarani, com minha namorada, subimos para o camarote onde sempre ficávamos por ser lugar mais apropriado para pombinhos bicadores, e como o filme havia começado, procurando lugares às escuras, notei uns sujeitos rindo baixinho ao me dirigir para uma parte que parecia estar vazia, quando uma voz distante no escuro me avisou para voltar de onde estava porque havia uma cadeira suja por lá. É de se notar a diferença de personalidade. Os caras que riam baixinho certamente sabiam que aquela pessoa que se dirigia para a ala desocupada podia passar por um grande sufoco, mas isto os divertia. Enquanto há quem veja contentamento em algo desagradável para outra pessoa, também há quem procure evitar que a outra pessoa passe por algo desagradável. A depender da personalidade deste tipo que se incomoda com as outras pessoas, pode ela ou ele vir a padecer de algum sofrimento ao presenciar comportamentos dos quais resultará dano para quem os pratica, mas a porca torce o rabo porque o aviso sem o convencimento não serve prá nada, e são raros os casos em que o convencimento pode acompanhar o aviso. Sem o convencimento, o aviso é tido como “prosa” ou dor de corno de velho por não ser mais capaz das faceirices nos requebros solicitados pelo axé e o futebola. Mas a verdade é que dá uma agonia do diabo ver estes pobres inocentes jovens desprezando a própria saúde, o bem mais precioso recebido da natureza, amiga de verdade e amiga da onça num só tempo.

A longa experiência de vida e algum conhecimento pescado nos livros produziram em mim uma grande vontade de avisar à juventude sobre os transtornos com os quais ela não está sabendo que vai dar com a cara. Vontade de pegar na orelha da juventude, torcer, e dizer: “Olha aqui, burralda! Não é por aí, não, sô! Tão grande é esta vontade que até me leva a escrever sem saber. Não esqueço a jovenzinha que mastigava o almoço enquanto bebia refrigerante e futucava um aparelho, tudo ao mesmo tempo. Diante daquele quadro, é possível avisar àquela jovem de ser aquele comportamento equivalente a se fazer uma reserva futura para a UTI? Evidente que não. E não, porque ela não tem o convencimento que tem quem já perdeu a saúde. Muitos jovens conhecedores do funcionamento do corpo humano danificam sua própria saúde apenas por falta do convencimento. É tão decisivo o convencimento na mudança de comportamento que nem mesmo o conhecimento que tem os médicos impede que alguns deles cheguem a uma velhice infeliz e arrependido de não ter se cuidado.

Leitura de jornais ensina que a saúde exige determinados procedimentos ao ingerir o alimento de onde vai tirar a energia necessária para manter o motor em funcionamento. Aprende-se observando a vida que uma refeição não é apenas engolir qualquer coisa de qualquer modo. É preciso escolher o quê e como engolir. Infelizmente não se pode convencer disso porque ao convencimento se chega por indução em vez de discurso, mas leva muito tempo para a indução trazer o convencimento, o que resulta na sua chegada tardia para impedir a prática do comportamento, resultando este retardamento no tardio e inútil arrependimento.

É nesta estranha situação em que se encontra a juventude, preparando seu infortúnio de se transformar em velhos completamente vazios e infelizes por não poderem mais fazer a única coisa que aprendeu para lazer porque não dá mais para requebrar os quadris. Como o lazer é indispensável à saúde mental, privando-se dele ficará apenas a nostalgia de esperar pelo paraíso lá no céu, sendo estranho que havendo um paraíso à espera, por que não ficar alegre?

Depois de formada a personalidade no ambiente caseiro onde se aprendeu a comer hóstia, ver putaria na televisão, requebrar os quadris, adorar riqueza, “celebridades” e “famosos”, depois de levantado o cangote dentro de um ambiente desse tipo, a partir daí fica muito difícil trocar este estado mental mumificado por outro novinho em folha que apressasse o convencimento quanto à melhor forma de se comportar para se dar melhor na vida, ou para viver com menos dissabores. Como o convencimento não pode ser imposto, deve ser implantado nas crianças ensinando-lhes justamente o contrário do que é ensinado. Crianças que aprendem os motivos pelos quais precisamos viver agrupados, e o comportamento que se deve ter a fim de se poder viver pacificamente em grupo, serão adultos dotados de cidadania, portanto, sociáveis o bastante para dar origem a uma sociedade agradável para gente civilizada e conhecedora de outros conhecimentos além de fazer compra em Me Ame.

Ao contrário, crianças que aprendem a conviver com a amoralidade e mesmo a imoralidade de não haver mais moral nem orgulho em ser honrado, vão se transformar em adultos com estas características na personalidade. Mas se ao chegar o momento de levantar o cangote, o jovem estiver convencido de valer a pena mudar de comportamento, a partir do momento em que estiver estabelecido tal convencimento nem mesmo a televisão teria poder de induzir o convencido a promover em vez de combater a corrosão do tempo sobre sua saúde. A força que garante a atividade física se baseia no vigor da saúde corporal, isto é mais do que razão para não se descuidar da saúde do corpo porque ela tem duração menor que a saúde mental, mas a saúde mental depende da saúde física para lhe fornecer a energia de que precisa para não caducar.

Enfim, como não dá para abrir a cabeça da juventude e colocar lá um vídeo sobre o modo como a vida funciona, o jeito é martelar o teclado e estropiar o português. Inté.

 

 

 

 

 

 

 

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