sábado, 25 de outubro de 2014

ARENGA SESSENTA E NOVE


O grande Caymmi dizia que todo mundo morava direito e quem morava torto era ele. Hoje, se passa exatamente o contrário: o Grande Mestre do Saber Musical está morando certo em sua paz, eternamente livre de participar do que somos obrigados a participar cotidianamente, e todo mundo está vivendo errado porque em vez de bem-estar produz mal-estar para seus descendentes, o que é contra a lei natural que leva todos os seres vivos a procurar sempre uma posição melhor, não sendo de se acreditar ser possível viver comodamente dentro da guerra em que nos encontramos, tão desnecessária quanto todas as guerras. Elas só existem porque ninguém pensa de verdade em viver em paz. Há até mesmo filosofias não só justificando as guerras, mas afirmando que elas são necessárias. Necessárias para que? Há quem afirme que é tramoia dos ricos para diminuir o número de pobres cujo barulho os incomoda quando estão contando dinheiro. É uma grande bobagem matar os infelizes porque seria mais racional, uma vez ser o raciocínio próprio do ser humano, manter um número determinado de pobres, além do qual não pudesse passar. Assim, não haveria necessidade de matar os excedentes porque isso causa sofrimento nos familiares dos condenados, e os sofrimentos devem ser restritos aos inevitáveis, além de ser prática desumana impingir sofrimento a alguém.

Embora não se compreenda alguém agir em busca de sofrimento para si mesmo, é bem assim que as pessoas agem, e tudo por pura birra de não largar da animalidade que ainda habita dois terços de sua personalidade e que torna os seres humanos com baixa capacidade de discernimento, vivendo um mundo infantil cheio de falsidades, mentiras e hipocrisias de todo tipo como reduzir o sentido da vida a um corpo sarado no padrão “beleza pura” ou, para ser mais chique, com um “look” maravilhoso. Fora da mediocridade, as pessoas de modo geral tem apenas duas ocupações mentais: a preocupação com riqueza e com a religião à qual cada um liga sua espiritualidade, dispensando a necessidade de averiguação da existência de um vínculo entre espiritualidade e religião, porque não há na realidade da vida nada que leve a esta conclusão. Claro que existe uma espiritualidade, mas ela nada tem a ver com divindade. A espiritualidade pode ser sentida do seguinte modo simples: digite no amigão Google “guitarra havaiana” e escute uma das músicas sacras ali executadas com maestria. Para sentir a espiritualidade, entretanto, precisa-se de alguma concentração, o que significa excluir telefone para futucar. Com os olhos fechados, para maior concentração, procure deixar que a sonoridade tirada da música pelo instrumento tome conta do pensamento. A espiritualidade está nos raros momentos realmente agradáveis que ocorrerão por vezes quando o pensamento segue os giros da sonoridade que atrai o pensamento por um caminho sonoro que a música deixa atrás de si. Esta espiritualidade, embora as pessoas que não tiveram tempo de aprender nada na vida pensem ter algo a ver com o céu, nada tem de santidade no meio disso, não sendo outro motivo senão a busca necessária e eterna que impulsiona o ser vivo à busca dos meios indispensáveis à sobrevivência. Um exemplo que prova esta afirmação está no fato de ser o bem-estar provocado pela espiritualidade promovida pela ligação entre a mente e o som agradável e envolvente da música. Os poucos momentos em que se experimenta completa ligação entre a mente e a sonoridade são momentos espirituais cujas raízes estão no mundo material. Apesar de ser algo etéreo, este fenômeno está tão ligado ao mundo material quanto a fome. O que animou quem escreveu a letra da música, o que lhe deu sonoridade, o que a gravou e o que a executou foi a necessidade de garantir bens materiais necessários à sobrevivência e ao bem-estar não raro procurado no lugar errado. Não só no exemplo do momento do enlevo espiritual produzido pela sensação agradável do som musical, mas também todos os tipos de espiritualidade, só podem existir se existirem as condições materiais que permitam ao corpo físico fornecer a energia que faz atuar o cérebro para que ele cumpra direitinho seu papel de produtor de sensações. No momento em que o cérebro fica debilitado e morre, morre com ele a capacidade de sentir emoção de toda espécie. Para fugir a esta realidade que a ignorância faz ser temida é que inventaram uma outra vida para ser vivida no céu. Quando se diz que a ignorância é a mãe de todos os males, está-se dizendo que também o medo da morte é filho da ignorância porque rejeitar a morte é o mesmo que implantar um sistema econômico com uma moeda que só tenha um lado. A morte é o outro lado da moeda em que foi transformada a vida atualmente envolvida exclusivamente com assuntos relacionados a dinheiro. Só dá desatinos, mas é bom endireitar essa bagunça. Nenão? Inté.   

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