O grande
Caymmi dizia que todo mundo morava direito e quem morava torto era ele. Hoje,
se passa exatamente o contrário: o Grande Mestre do Saber Musical está morando
certo em sua paz, eternamente livre de participar do que somos obrigados a
participar cotidianamente, e todo mundo está vivendo errado porque em vez de
bem-estar produz mal-estar para seus descendentes, o que é contra a lei natural
que leva todos os seres vivos a procurar sempre uma posição melhor, não sendo
de se acreditar ser possível viver comodamente dentro da guerra em que nos
encontramos, tão desnecessária quanto todas as guerras. Elas só existem porque
ninguém pensa de verdade em viver em paz. Há até mesmo filosofias não só justificando
as guerras, mas afirmando que elas são necessárias. Necessárias para que? Há
quem afirme que é tramoia dos ricos para diminuir o número de pobres cujo
barulho os incomoda quando estão contando dinheiro. É uma grande bobagem matar
os infelizes porque seria mais racional, uma vez ser o raciocínio próprio do
ser humano, manter um número determinado de pobres, além do qual não pudesse
passar. Assim, não haveria necessidade de matar os excedentes porque isso causa
sofrimento nos familiares dos condenados, e os sofrimentos devem ser restritos
aos inevitáveis, além de ser prática desumana impingir sofrimento a alguém.
Embora não
se compreenda alguém agir em busca de sofrimento para si mesmo, é bem assim que
as pessoas agem, e tudo por pura birra de não largar da animalidade que ainda
habita dois terços de sua personalidade e que torna os seres humanos com baixa
capacidade de discernimento, vivendo um mundo infantil cheio de falsidades,
mentiras e hipocrisias de todo tipo como reduzir o sentido da vida a um corpo
sarado no padrão “beleza pura” ou, para ser mais chique, com um “look”
maravilhoso. Fora da mediocridade, as pessoas de modo geral tem apenas duas
ocupações mentais: a preocupação com riqueza e com a religião à qual cada um
liga sua espiritualidade, dispensando a necessidade de averiguação da
existência de um vínculo entre espiritualidade e religião, porque não há na
realidade da vida nada que leve a esta conclusão. Claro que existe uma
espiritualidade, mas ela nada tem a ver com divindade. A espiritualidade pode
ser sentida do seguinte modo simples: digite no amigão Google “guitarra
havaiana” e escute uma das músicas sacras ali executadas com maestria. Para
sentir a espiritualidade, entretanto, precisa-se de alguma concentração, o que
significa excluir telefone para futucar. Com os olhos fechados, para maior
concentração, procure deixar que a sonoridade tirada da música pelo instrumento
tome conta do pensamento. A espiritualidade está nos raros momentos realmente
agradáveis que ocorrerão por vezes quando o pensamento segue os giros da sonoridade
que atrai o pensamento por um caminho sonoro que a música deixa atrás de si. Esta
espiritualidade, embora as pessoas que não tiveram tempo de aprender nada na
vida pensem ter algo a ver com o céu, nada tem de santidade no meio disso, não
sendo outro motivo senão a busca necessária e eterna que impulsiona o ser vivo
à busca dos meios indispensáveis à sobrevivência. Um exemplo que prova esta
afirmação está no fato de ser o bem-estar provocado pela espiritualidade
promovida pela ligação entre a mente e o som agradável e envolvente da música.
Os poucos momentos em que se experimenta completa ligação entre a mente e a
sonoridade são momentos espirituais cujas raízes estão no mundo material. Apesar
de ser algo etéreo, este fenômeno está tão ligado ao mundo material quanto a
fome. O que animou quem escreveu a letra da música, o que lhe deu sonoridade, o
que a gravou e o que a executou foi a necessidade de garantir bens materiais
necessários à sobrevivência e ao bem-estar não raro procurado no lugar errado.
Não só no exemplo do momento do enlevo espiritual produzido pela sensação
agradável do som musical, mas também todos os tipos de espiritualidade, só
podem existir se existirem as condições materiais que permitam ao corpo físico
fornecer a energia que faz atuar o cérebro para que ele cumpra direitinho seu
papel de produtor de sensações. No momento em que o cérebro fica debilitado e
morre, morre com ele a capacidade de sentir emoção de toda espécie. Para fugir
a esta realidade que a ignorância faz ser temida é que inventaram uma outra
vida para ser vivida no céu. Quando se diz que a ignorância é a mãe de todos os
males, está-se dizendo que também o medo da morte é filho da ignorância porque
rejeitar a morte é o mesmo que implantar um sistema econômico com uma moeda que
só tenha um lado. A morte é o outro lado da moeda em que foi transformada a
vida atualmente envolvida exclusivamente com assuntos relacionados a dinheiro.
Só dá desatinos, mas é bom endireitar essa bagunça. Nenão? Inté.
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