segunda-feira, 4 de março de 2019

ARENGA 544


No livro Justiça, Editora Civilização Brasileira, Michael J. Sandel narra um episódio que mostra com perfeição a monstruosidade desse tal Livre Mercado, que apesar de ser uma barbárie em termos de vida em sociedade, é endeusado por economistas, estas criaturas de um Fiat satânico emitido pelas Harvards do mundo que, por sua vez não são mais do que lavanderias de cérebros tão eficientes que anula a personalidade de quem as frequenta e os torna lambe-botas dos Reis Midas do empresariado de avareza tão brutal quanto incontida. A observação do autor do livro gira em torno da polêmica a que deu origem à exorbitância dos preços cobrados pelos produtos demandados por pessoas aflitas em consequência do furacão Charley, que fez devastação na Flórida. Naquela ocasião, feito abutres na carniça, empresários se aproveitavam da fragilidade das pessoas atingidas para extorqui-las. Entre os exemplos de extorsão dados pelo autor estão a cobrança de vinte e três mil dólares para que fossem retiradas duas árvores caídas sobre uma casa, e um casal desabrigado de idosos com uma filha deficiente que se viu obrigado a pagar cento e sessenta dólares para que pudessem se abrigar por uma noite num motel, quando o preço normal era de apenas quarenta dólares. Não obstante tanta brutalidade, pode-se garantir que se declaram cristãos tanto estes monstros aproveitadores do sofrimento de quem sofre quanto os economistas que afirmavam na ocasião e certamente ainda hoje e sempre não haver nada de anormal em tal procedimento porquanto se trata de Livre Mercado, onde as pessoas que compram e vendem determinam o valor da transação comercial. A canalhice destes sabujos de ricos subestima a capacidade de racionar das pessoas porque aquele que se encontra fragilizado tanto pelo inusitado da emergência quanto pelo sofrimento não dispõe do poder de barganha. É a estúpida humanidade, como foi classificada pelo historiador Henry Thomas. E haja estupidez para determinar comportamento tão selvagem em seres espiritualmente bestiais, não obstante a capacidade de raciocinar. Não há como não merecer ser chamado de bestas seres capazes de se aproveitarem do sofrimento do semelhante para levar o que acredita erradamente ser vantagem porque não há vantagem na desunião uma vez que sociedade alguma chega a bom termo com seus membros se devorando mutuamente. Toda e qualquer sociedade precisa antes de tudo da união de todos os elementos que a compõem em torno do objetivo a que se propõem, o bem-estar, no caso da sociedade humana. Como pode alguém ter a tranquilidade necessária para que haja bem-estar estando de vigília constante contra um ataque iminente e inevitável que virá a qualquer hora e de qualquer lugar, como acontece nas sociedades que apesar de chamadas de civilizadas não raro acontecem rajadas de metralhadora sobre requebradores de quadris? Mas é assim que caminha a humanidade. Aos trancos e barranco, devorando-se a si mesma numa antropofagia explicável apenas pela estupidez a que se referia o historiador acima mencionado.

Ante tanta rudeza espiritual, onde fica o sentimento cristão do qual as bestas humanas se dizem seguidoras? Apesar de anos atrasados em relação aos ateus no que diz respeito a solidariedade humana, estes molambos espirituais torcem o nariz para quem despreza a cretinice de lamber o saco de um deus capaz de nomear criminosos para representá-lo. Graças à sua monumental ignorância os religiosos odeiam aquele que se declara ateu por desconhecerem serem estes capazes de conviver em paz entre graças à certeza não só de que seu bem-estar depende das próprias pessoas, mas também de depender da união de todos a tão almejada tranquilidade que as feras humanas dizem ter por objetivo. Uma sociedade de ateus não admitiria jamais a desumanidade mais condizente com Satanás praticada pela indústria farmacêutica capitalista e cristã ao se aproveitar da infelicidade dos doentes para extorquir deles as fortunas que acumulam à custa do sofrimento de quem sofre. É o que fazem estes MONSTROS E CANALHAS em cujos escritórios não falta a imagem de Cristo Crucificado onde deveria haver a lembrança do demônio.

Mas é assim que caminha a humanidade: usando o vigor da sua juventude para festejamentos, inclusive religiosos, carregando imagens prá cima e prá baixo entre cânticos, ignorando estar sendo esperada por uma velhice chorosa nos corredores dos hospitais a lamentar o tempo estupidamente jogado fora por ter se dedicado exclusivamente às mesmas atividades das bestas: trabalhar, comer, trepar e cagar. Os ricos, em vez do corredor, irão contribuir para a obesidade da conta bancária da UTI onde descobrirão a duras penas que a riqueza não tem a grandeza que supunham ter.

É assim que caminha a humanidade: detestando Marx cujas ideias estão muito mais próximas da irmandade recomendada pelo Cristo que diz lhe servir de paradigma. Por estas e outras é que não se justifica a indiferença quanto à necessidade de se pensar em substituir por outra esta fase histórica tão obscura em termos de civilização quanto a pior fase da Idade Média. Inté.

  

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