A notícia
no jornal Folha de São Paulo de que há 85 anos as mulheres conquistaram direito
ao voto traz à lembrança meu tempo
de menino lá na fazenda do meu pai, quando era necessário fazer algum
procedimento numa rês xucra. Conduzido o animal para dentro do curral, era ele
laçado. Por ser xucro, atacava o vaqueiro que mais que depressa passava para o
lado de fora por entre os varões da cerca, enrolava o laço no varão, e, à
medida que o animal corria e esbravejava, o vaqueiro ia puxando o laço de modo
a encurtar cada vez mais o espaço disponível para o animal correr e saltitar.
Desse modo, ele acabava por encostar os chifres na cerca e imobilizado. Para
fazê-lo deitar a fim de marcá-lo ou colocar creolina ou benzocreol na bicheira,
depois de peado (amarradas juntas as pernas), ia-se afrouxando o laço aos
poucos à medida que seu corpo era puxado de lado por uma corda e, em
consequência, ia caindo até ficar deitado. O lance de afrouxar o laço aos
poucos é exatamente o que acontece com o povo. O momento em que o laço estava
totalmente recolhido e o animal se encontrava com a cabeça encostada na cerca, impotente
porque imobilizado, correspondia ao tempo em que o povo trabalhava debaixo de
chibata tantas horas quisesse o empregador. Depois, passou a ter direito a
trabalhar menos, depois ao voto, dos pobres, depois das mulheres, mais tarde
veio o direito ao salário, a férias, décimo terceiro, aposentadoria, Bolsa
Família, um faz de conta de proteção à segurança, saúde e educação. A cada uma
destas conquistas correspondia a cada afrouxadinha que o vaqueiro dava no laço
que sujegava o boi, de forma que assim como o boi, aos poucos, ia se vendo algo
mais cômodo, também o povo através dos milênios tem conseguido alguma coisa em
sua eterna busca por comodidade. Percebe-se, entretanto, que a busca do povo
por comodidade limita-se exclusivamente à comodidade física. Também o boi
procura sombra, comida, água e descanso. Para que o povo alcance a verdadeira
comodidade faz-se necessário antes de tudo diferenciar-se do boi, fazendo uso
da capacidade de pensar que ele desconhece ter, o que fica evidente pelos usos
e costumes medíocre que os pais passam para os filhos, resultando na cultura
que orienta comportamentos também medíocres, razão da identidade entre povo e
manada.
A sociedade
da juventude parva de futucadores de telefone, adoradores de igreja, axé,
futebola, “famosos” e “celebridades” depois de acreditar ter chegado ao fundo
do poço descobriu tratar-se de um fundo falso. A fossa a que chama de sociedade
continua descendo indefinidamente, chegando à equiparação daquilo que devia ser
política ao tráfico de drogas e à putaria porquanto as altas cúpulas do poder
se declaram promotoras de suruba e “mula” para transportar dinheiro, processo
também usado pelos traficantes para conduzir as drogas por não disporem de
helicóptero e a faculdade de ficar tudo bem com o fato simplório de negar as
acusações.
Diferenciando-se
de manada através da capacidade de pensar, o povo descobrirá a existência de
coisas infinitamente mais elevadas a se conquistar do que apenas o direito de
trabalhar, descansar, comer, cagar e trepar. Descobrirá que a liberdade tão
falada não depende apenas das coisas materiais. Pode-se perceber esta realidade
olhando para os donos das imensas fortunas mostradas na brutalidade social da
revista Forbes. Seus donos não são livres. Os medos lhes atormentam por todo
lado, principalmente o medo de ficar pobre ou ser preso em virtude das
falcatruas inerentes à formação das grandes fortunas. Liberdade mesmo é não
precisar ter medo de nada. Nem passar pela cabeça a possibilidade de ficar sem
as coisas das quais depende uma boa qualidade de vida. Como se vê, tais coisas
não dependem só de riqueza porque tanto os ricos como os pobres bebem água com
bosta, comem comida com veneno, respiram ar empesteado e correm o risco de nem
isso terem mais. Inté.
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